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I SÉRIE — NÚMERO 80

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Aplausos do PCP.

O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra a Sr.ª Deputada Cláudia Santos, do PS.

A Sr.ª Cláudia Santos (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Esta é a primeira reunião plenária com a ordem do dia fixada pelo Chega, e o Chega escolheu trazer-nos um projeto de lei que tem uma

exposição de motivos que refere a corrupção endémica em Portugal. Esta seria, pelo menos à primeira vista,

uma iniciativa sobretudo orientada para o combate à corrupção, ainda que não só.

À primeira vista, essa intenção de contribuir para um debate sobre a corrupção mereceria ser saudada.

Estamos todos muito cientes de que a corrupção é um dos principais problemas de todas as democracias e

um dos principais desafios da nossa agenda política. Já ninguém acredita, como se acreditava no século

passado, quando Fukuyama escreveu O fim da História, que tínhamos finalmente descoberto o modelo

perfeito do governo dos povos, o modelo das democracias liberais ocidentais, vitorioso depois da queda do

Muro de Berlim, e que o aperfeiçoamento desse modelo levaria, por si só, à erradicação da corrupção. Hoje,

sabemos que não foi assim, que não é assim. Sabemos que mais corrupção significa menos hospitais e

menos escolas e sabemos que temos de continuar à procura de soluções.

Por isso, à primeira vista, seria de louvar a escolha do Chega de trazer um assunto tão importante a este

debate. O problema é que o Chega escolheu trazer a este debate uma resposta, a criminalização do

enriquecimento ilícito, que sabe ser uma resposta impossível. Ao escolher trazer-nos uma resposta à

corrupção que toda a gente sabe que é impossível, escolheu não nos trazer resposta nenhuma.

Aplausos do PS.

O engano está logo no nome: enriquecimento ilícito. Sabemos todos que o enriquecimento, se é ilícito, já é

crime. Aquilo que o Chega insiste em criminalizar não é o enriquecimento ilícito, o que insiste em criminalizar é

o enriquecimento com origem desconhecida. E o problema está mesmo aí, em querer dar por ilícito um

enriquecimento cuja origem é desconhecida. Há um ponto, que é o ponto de partida em que estamos todos de

acordo, que é o de que a riqueza incompreensível pode ser um sintoma de que foi obtida através da prática de

crimes e o de que a riqueza incompreensível de agentes públicos pode ser um sintoma de corrupção. A

pergunta a fazer é a seguinte: deverá esta riqueza incompreensível ser fundamento para que os seus titulares

possam ser condenados por um crime, sem que sejam provados os crimes geradores do aumento

patrimonial? Mesmo que se admita que sim, que a resposta deve ser afirmativa, que a existência desta riqueza

incompreensível deve ser criminalizada, há, a partir daqui, dois caminhos: um caminho impossível e outro

caminho possível. Os muitos projetos de lei que vão ser discutidos na próxima sexta-feira escolheram o

caminho que parece possível. Ainda que com variações, admitem que seja crime a omissão de declarar

aumentos patrimoniais a partir de um certo montante, porque essa ocultação implica a violação de um dever

de transparência.

Mas o Chega está sozinho na escolha do outro caminho, aquele que o Tribunal Constitucional já declarou,

em 2012 e em 2015, que é impossível. Escolheu aquele caminho em que o que se criminaliza é a detenção de

uma riqueza que é incongruente com os rendimentos lícitos. Escolheu, portanto, o caminho que viola a

presunção de inocência, porque assenta na presunção de que o património resulta de uma atividade criminosa

que não se provou, mas que deve ter existido. Escolheu o caminho que também viola o princípio da

legalidade, por falta de descrição pelo legislador, da ação ou da omissão proibidas, porque aquilo que se quer

criminalizar é um estado — o estar rico — e não alguma coisa, descrita pela lei, que a pessoa fez ou deixou de

fazer. E, por isso, ao escolher um não-caminho, porque um caminho impossível é um não-caminho, o Chega

sabe que não tem nenhum projeto de lei que permita a criminalização da ocultação da riqueza.

Acompanho o entendimento do Sr. Deputado João Oliveira de que não há grande utilidade em perder

tempo a esmiuçar detalhes deste projeto de lei que o próprio Chega sabe que não poderá vingar.

Aquilo que, porventura, vale a pena é sublinhar as razões pelas quais não o aprovaremos. O problema da

criminalização, nestes termos do enriquecimento ilícito, é que não se estaria a criminalizar um enriquecimento

que se prova que é ilícito, mas, sim, um enriquecimento que se presume que é ilícito. Não se faz prova de que