24 DE JUNHO DE 2021
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grosseiras inconstitucionalidades, e o Sr. Deputado André Ventura sabe-o melhor do que ninguém. Vem,
portanto, a jogo com uma proposta que não contará para a solução deste problema e se limitará a criar ruído.
Jogo, truque, ruído, ilusão — eis um partido do sistema a atuar.
O Bloco de Esquerda não quer ruído sem consequências, quer mesmo que a criminalização do
enriquecimento injustificado seja aprovada. Não contem connosco para o campeonato dos decibéis, contem
connosco para uma atuação séria e determinada no combate à corrupção. Esse é o compromisso do Bloco de
Esquerda.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Para uma intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado Nelson Silva, do PAN.
O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Penso que todos e todas convergimos na ideia de que é absolutamente inadmissível que existam casos de titulares de cargos políticos que, quando
saem dos seus cargos, têm acréscimos de património e de rendimentos não justificados, quase como se o
dinheiro aparecesse por simples magia, e sem que isso seja verdadeiramente punido. Isso é tanto mais grave
quanto é conhecido por todos e todas que vivemos num País onde, dizem estudos internacionais, 48% das
pessoas já se serviram das chamadas «cunhas» e 80% dos empresários consideraram que o pagamento de
subornos e a utilização de contactos privilegiados são as formas mais fáceis de conseguir certos serviços
públicos. Esta situação, Sr.as e Srs. Deputados, é absolutamente lamentável e exige medidas de prevenção de
conflitos de interesse e maior transparência em sede de obrigações declarativas e exercício de funções, mas
também de punição.
E, hoje, falamos precisamente de punição. Discutimos se o enriquecimento ilícito deve ser, ou não, punido.
E, aqui, a posição do PAN não podia ser mais clara: sem dúvida alguma que sim, que se deve criminalizar o
incremento do património de um titular de cargo político que não pode ser, por si só, razoavelmente
identificado. Desde logo, porque esta é uma exigência que decorre do direito internacional e que o nosso País,
ano após ano, tem incumprido. A Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, ratificada pelo nosso
País em 2007, estabelece que «cada Estado-Parte deverá considerar a adoção de medidas legislativas e de
outras que se revelem necessárias para classificar como infração penal, quando praticado intencionalmente, o
enriquecimento ilícito, isto é, o aumento significativo do património de um agente público para o qual não
consegue apresentar uma justificação razoável face ao seu rendimento legítimo». Esta disposição, tão bem
concretizada, por exemplo, em França, em Hong Kong ou na América do Sul, continua, lamentavelmente, por
cumprir no nosso País, essencialmente por falta de vontade do PS e do PSD.
Sabemos que a criminalização do enriquecimento injustificado é complexa. Sabemos que já foi tentada por
duas vezes e em ambas foi considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, que entendeu que, nos
termos em que se apresentava, por não ter um bem jurídico protegido, desrespeitava o princípio da
proporcionalidade e, por não identificar uma ação ou omissão proibida, violava o princípio da legalidade. A
proposta do Chega, assim como a do PCP, que é votada na sexta-feira, insistem nestes erros e são, por isso,
um mero número populista, para eleitor ver, e que não quer, realmente, resolver este grave problema do País.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Que disparate!
O Sr. Nelson Silva (PAN): — Sem prejuízo de entendermos que esta deve ser uma matéria discutida em sede de revisão constitucional, feita sem beliscar o essencial dos princípios do Estado de direito democrático,
entendemos que, à luz do quadro constitucional vigente, é possível criminalizar o incremento significativo de
património de um titular de cargo político. Por isso mesmo, na próxima sexta-feira, levamos a discussão uma
iniciativa que garante um alargamento das obrigações declarativas dos titulares de cargos políticos, passando
a exigir-lhes que, no momento em que deixem o cargo, e até três anos depois, tenham de declarar, por
exemplo, as promessas de vantagem, assim como os factos geradores de alterações patrimoniais relevantes.