I SÉRIE — NÚMERO 80
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Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Termino, dizendo que combater a corrupção defendendo o Estado
de direito não é o desafio do projeto de lei do Chega que discutimos nesta quarta-feira. Esse será o desafio de
sexta-feira para todas as Sr.as Deputadas e todos os Srs. Deputados, a larguíssima maioria deste Parlamento,
da esquerda à direita, que acreditam nos direitos humanos e que têm orgulho na história da justiça penal do
nosso País.
No dia 10 de julho de 1867, foi publicada, no Diário de Notícias, uma carta que Victor Hugo nos escreveu.
Victor Hugo, que já era, à época, o muitíssimo aclamado autor de Os Miseráveis e de Notre-Dame de Paris,
por intermédio do seu amigo Brito Aranha, escreveu a todos os portugueses logo depois de termos abolido a
pena de morte. Referia-se a nós como «um pequeno povo que tem uma grande história» e disse-nos: «Felicito
o vosso Parlamento, os vossos pensadores, os vossos escritores e os vossos filósofos. Felicito a vossa nação.
Portugal dá o exemplo à Europa. A liberdade é uma cidade imensa, da qual todos somos cidadãos».
Há momentos na vida de um povo em que alguns se esquecem de quem somos. Ler cartas como aquela
que Victor Hugo escreveu pode ajudar-nos a recordar não só quem somos, mas também o património jurídico-
penal que é nosso e que temos o dever de honrar.
Aplausos do PS, da Deputada do BE Fabíola Cardoso e da Deputada não inscrita Joacine Katar Moreira.
O Sr. Presidente (António Filipe): — Antes de passarmos à próxima intervenção, gostaria de dizer que o registo de presenças que fizemos até este momento não foi feito como registo para efeitos de votação, mas
deveria ter sido. Por isso, para não termos de fazer um novo registo, pedia aos Srs. Deputados que já se
registaram que desconsiderem esse mesmo registo e façam um novo, de forma a que possa ser considerado
para efeitos de votação. Assim, os Srs. Deputados, ficando registados, já poderão sair da Sala.
Vamos apenas fazer uma breve pausa devido ao ruído do movimento, em simultâneo, dos terminais.
Pausa.
Srs. Deputados, já estamos em condições de continuar.
Para proferir a próxima intervenção, tem a palavra o Sr. Deputado José Manuel Pureza, do Bloco de
Esquerda.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: A agenda desta tarde é um truque. Todos sabíamos, há muito tempo, do agendamento para a próxima sexta-feira de um debate sobre o
combate à corrupção, no qual serão debatidas iniciativas legislativas de todas as forças com representação
parlamentar. Confronto de propostas, identificação de convergências e de diferenças — assim manda a
democracia que se faça.
O Chega sabia desse agendamento e, em vez de pôr a sua proposta em disputa com todas as outras, fez
um truque, marcando para hoje o que vai ser discutido na sexta-feira — malabarismo parlamentar, truque
regimental, jogo político. O Chega gosta muito de se apregoar como partido contra o sistema, mas, na
verdade, mostra-se como partido do pior que o sistema tem — chico-espertismo tático, partidarite primária —,
quando as responsabilidades pela construção de maiorias determinadas contra a corrupção são mais
exigentes.
É dessa maioria que o País precisa para dar, agora, o passo que, há muito, devia ter dado, criminalizando
a ocultação de incrementos patrimoniais por responsáveis de cargos políticos e altos cargos públicos.
O Bloco de Esquerda está totalmente determinado, como sempre esteve, em criar condições para que este
passo seja dado e para que uma maioria o mais ampla possível lhe dê a força política que corresponda à força
de reivindicação social que ela tem. Por isso, será na sexta-feira — e não hoje — que apresentaremos o nosso
projeto e os nossos argumentos, como nos comprometemos a fazer. A competição pequenina entre egos
partidários não é o que nos anima, deixamos isso para o Chega, porque é esse e só esse o campeonato que o
Chega quer jogar.
Hoje, diremos apenas que a pior maneira de contribuir para a luta pela criminalização do enriquecimento
injustificado é propor soluções inconstitucionais, que criam a ilusão de força, mas que se desfazem em nada
por causa da sua impossibilidade de se tornarem em lei. O projeto de lei do Chega enferma de evidentes e