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24 DE JUNHO DE 2021

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seja um enriquecimento proveniente da corrupção, do tráfico de droga, da contrafação ou até do assalto a

bancos. É por isso que condenar alguém presumindo que enriqueceu a praticar crimes é tão flagrantemente

violador da presunção da inocência e do princípio da legalidade criminal.

Façamos a justiça ao Chega de reconhecermos que tentou mutilar, antes, a presunção de inocência

através do seu projeto de revisão constitucional. Quis alterar o n.º 3 do artigo 32.º da Constituição, num

sentido que teria amputado a presunção de inocência para abrir a porta a este projeto de lei, mas esse projeto

de revisão constitucional soçobrou. Por isso, permanece apenas a perplexidade. Porque insistiu o Chega em

trazer a este Parlamento um projeto de lei que todos sabemos, até o Sr. Deputado André Ventura, que é

incompatível com a Constituição?

Aplausos do PS.

O Chega sabe que não conseguiu a alteração da Constituição que julgava necessária para criminalizar o

enriquecimento ilícito. Se o sabe, por que razão insistiu em apresentar este projeto, a que deu uns retoques de

última hora que não o tornaram melhor? E, sobretudo, porque insistiu num caminho impossível, quando há

outro caminho que parece possível? Talvez este projeto de lei seja mais fácil de promover em 30 segundos,

talvez votar contra ele precise de uma explicação mais esforçada.

É verdade que a presunção de inocência não é fácil de explicar nas redes sociais, porque não é uma coisa

intuitiva.

Cada um de nós forma as suas convicções pessoais sobre a vida e sobre os outros e não há nada de mal

nisso. Cada um de nós é livre de acreditar naquilo que quiser, e a presunção de inocência, que é um princípio

do processo penal, não o impede. Mas a presunção de inocência é, ainda assim, contraintuitiva, porque nos

diz que ninguém pode ser condenado só porque parece culpado e se, no processo penal, essa culpa não for

provada, porque é preciso compreender que é precisamente a presunção de inocência que dá sentido ao

processo penal. Sem presunção de inocência, esse conjunto encadeado de atos, a que nós chamamos de

«processo», ou não é preciso, porque a pessoa é castigada sem processo, ou é apenas uma farsa orientada

para a confirmação de impressões ou de clamores públicos.

Por isso, a presunção de inocência é a condição da existência de um verdadeiro processo penal; é, ao

mesmo tempo, a sua pedra angular e a sua pedra de toque. E é como a democracia: por mais que, em certos

momentos, nos possa parecer difícil viver com ela, seria seguramente muito pior viver sem ela.

Aplausos do PS.

Nós sabemos que há quem esteja disposto a viver sem democracia, mas nós não estamos.

Aplausos do PS.

Mas talvez tudo isto possa ser dito de uma forma mais simples: a presunção de inocência e o princípio da

legalidade consagram um direito humano, o direito humano que qualquer pessoa tem a não ser privada da sua

liberdade sem que o Estado prove a sua culpa de acordo com a lei. E, nos conceitos de legalidade e de

presunção de inocência, vivem séculos de luta pela liberdade.

Talvez tenhamos, afinal, algo a agradecer ao Chega no final desta reunião plenária. Quando nos

levantarmos para votar contra este projeto de lei, porque ele viola a presunção de inocência e também o

princípio da legalidade criminal, estaremos, juntos, a reforçar o nosso respeito pelo Estado de direito e o nosso

compromisso comum com os direitos humanos.

Aplausos do PS.

O nosso desafio é combater a corrupção em nome do Estado de direito, não contra o Estado de direito, até

porque sem Estado de direito não há nunca menos corrupção, o que pode haver é mais corrupção, mais bem

escondida.