I SÉRIE — NÚMERO 89
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O Sr. João Cotrim de Figueiredo (IL): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Este agendamento potestativo da Iniciativa Liberal pretende ser um alerta para nos relembrar que a liberdade é preciosa e que a
sua conquista não é irreversível.
Pelo contrário, a História ensina-nos que, ao longo dos tempos, as sociedades que concedem aos seus
cidadãos o gozo de liberdades individuais são a exceção e não a regra. Mais nos ensina que a longevidade
dessas exceções está diretamente ligada à convicção e à coragem com que as pessoas resistem às tentativas
de limitar ou condicionar as suas liberdades individuais, venham essas tentativas do Estado ou de quaisquer
outros poderes.
E o alerta que pretendemos aqui trazer é este: são inegáveis os sinais de que, em Portugal, a convicção e a
coragem de defender a liberdade começam a escassear.
Durante todo o período da pandemia, foi demasiado fácil, dentro e fora do estado de emergência, trocar as
liberdades por uma suposta segurança. O medo, muitas vezes instigado, prevaleceu sobre o desejo de
liberdade.
Aliás, um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, publicado no dia 11 de julho, revela
que 86% dos inquiridos consideraram justificadas as restrições às liberdades individuais, apesar de quase
metade também achar que este período contribuiu para o enfraquecimento da democracia.
Portanto, mesmo fora do contexto pandémico, este enfraquecimento da democracia não parece preocupar
os portugueses. Um outro estudo, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS-UL),
designado Os valores dos portugueses e publicado pelo semanário Expresso no dia 10 de junho, concluiu que
só pouco mais de um terço dos portugueses rejeitam a existência de líderes autoritários. O mesmo é dizer que
quase dois terços dos portugueses estão disponíveis para prescindir das suas liberdades, desde que um tiranete
qualquer diga que resolve os seus problemas.
Talvez os portugueses estejam a dar a liberdade por adquirida. Afinal, o censo deste ano confirmará que, ao
dia de hoje, mais de metade dos portugueses nasceram já depois do 25 de Abril — nunca souberam o que é
viver sem liberdade, nunca tiveram, verdadeiramente, de lutar por ela.
Por isso, é importante este alerta: a liberdade não está garantida, cada nova geração tem de renovar a luta
pelas liberdades individuais. E, à cabeça dessa luta, está a luta pela liberdade de expressão, essencial à saúde
de uma sociedade aberta, criativa e verdadeiramente democrática. Sem liberdade de expressão, não há
confronto de ideias, não há pensamento crítico, não há escrutínio. Sem liberdade de expressão, não há
progresso científico, nem produção de conhecimento.
Não podemos permitir que esta liberdade fundamental seja coartada, seja nos meios tradicionais, seja nos
meios digitais. Ora, é isso mesmo que a Carta dos Direitos Humanos da Era Digital, aprovada neste Parlamento,
e em particular o seu artigo 6.º, vem fazer.
Ao dedicar a este tema um dos dois agendamentos potestativos de que dispõe nos quatro anos desta
Legislatura, a Iniciativa Liberal sinaliza a importância que atribui à defesa da liberdade de expressão e também
a firme intenção de corrigir um erro que já assumiu publicamente: o de não ter mantido o seu voto contrário
quando, em outubro passado, o diploma foi discutido, pela primeira vez, neste Plenário. Na altura, não houve
eco político, nem mediático, das objeções que colocámos a esta lei. Mas temos agora uma oportunidade, que
na verdade é uma oportunidade também para todos os outros partidos — e, em nome da justiça, devo aqui
salientar a coerente oposição do PCP ao artigo 6.º —, de corrigir essa posição.
Sr. Presidente, Srs. Deputados: Esta Carta dos Direitos na Era Digital pretende consagrar ou reafirmar, no
espaço digital, importantes liberdades e direitos individuais, tais como as liberdades de acesso, associação e
reunião no espaço digital, ou os direitos à privacidade, ao esquecimento, à proteção contra utilização abusiva
da geolocalização, ao testamento digital, entre outros.
É verdade que a Carta é redundante, do ponto de vista da afirmação dos direitos fundamentais
constitucionalmente garantidos, como muito bem escreveu o constitucionalista José Melo Alexandrino, no seu
parecer para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ). É também verdade que, tal como afirma
claramente o Conselho Superior do Ministério Público, a Carta acrescenta «insegurança jurídica» nestas
matérias.
Mas estas objeções, quer uma, quer outra, seriam ultrapassáveis se não fosse o disposto no ignominioso
artigo 6.º, que versa sobre a temática da «proteção contra a desinformação» e que hoje propomos aqui, pura e