2 DE OUTUBRO DE 2021
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O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Fabíola Cardoso, do Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.
A Sr.ª Fabíola Cardoso (BE): — Sr. Presidente, começo por cumprimentar o Sr. Ministro, o Sr. Secretário de Estado, as Sr.as e os Srs. Deputados e todas as pessoas que participam neste debate sobre o estado da
União.
Há várias décadas que Portugal e a União Europeia se vêm afirmando no campo geopolítico sob uma
lógica que privilegia a NATO (North Atlantic Treaty Organization) e os Estados Unidos. Todas as fichas sobre a
orientação da União no mundo se usam em função desta visão, que é uma estratégia em si e que Portugal,
em particular, tem seguido com total disciplina e reverência.
Há dois acontecimentos recentes que vulnerabilizam esta visão estratégica.
Primeiro, a forma como os Estados Unidos saíram do Afeganistão. Naquilo que é público, fizeram-no sem
envolver os parceiros da NATO ou da União Europeia e deixando para trás um rasto de tragédia a que não
podemos ficar indiferentes.
Segundo, o recente enxovalho que a França — e com ela a União Europeia — sofreu com o cancelamento
do acordo de venda de submarinos à Austrália. Mais uma vez, os Estados Unidos ignoraram completamente o
seu relacionamento «preferencial» com a União Europeia e não revelaram qualquer interesse em fazer
respeitar as relações entre os Estados.
A situação atual é que, enquanto os líderes europeus definem a posição da Europa no mundo em função
dos Estados Unidos, do outro lado do oceano não se preocupam minimamente com a Europa. Deste ponto de
vista, o estado da União é, hoje, de orfandade, precisamente porque perdeu o seu farol.
A pergunta agora é: como é que a Europa se quer afirmar no mundo? Com que valores, objetivos e
estratégia?
Concorda, Sr. Ministro, com as declarações da Presidente Ursula von der Leyen, no discurso sobre o
estado da União, de que falta uma União Europeia da «Defesa»? É esta a resposta da Europa? Concorda que
o «nível seguinte» é o da militarização, o do aumento da gigantesca despesa militar? O da isenção de IVA
(imposto sobre o valor acrescentado), como foi proposto, para fomentar a corrida ao armamento? Uma União
Europeia que desiste da paz?
Aquilo que era verdadeiramente fundamental — em que a Europa já tinha dito que queria ser líder mundial
e onde até se destacava dos Estados Unidos — era a questão ambiental.
A ONU (Organização das Nações Unidas) publicou recentemente o relatório do Painel Intergovernamental
sobre as Alterações Climáticas. A ciência é clara: afinal, não se está a fazer o suficiente. Estamos a andar
demasiado devagar e as alterações climáticas estão a andar demasiado rápido. A Europa está a perder a
oportunidade de fazer a diferença.
Por outro lado, o Tribunal de Contas Europeu veio agora confirmar aquilo que já todos sabíamos, mas que
alguns de nós fingiam não saber: que a União Europeia não está a fazer o suficiente para canalizar fundos
para atividades sustentáveis. Faltam medidas que deem respostas aos custos ambientais e sociais das
atividades económicas insustentáveis.
Esse mesmo relatório diz ainda que a política europeia relativa à água é, e cito, «um balde cheio de furos»,
porque os apoios à agricultura não estão alinhados com as políticas ambientais que a União diz defender. São
tantas as exceções autorizadas ao setor agrícola que se continua a verificar um grave impacto nos recursos
hídricos. O título do relatório, que cito, é mais claro do que a água do Tejo, Sr. Ministro: «Fundos da PAC têm
maior probabilidade de promover o aumento de utilização da água do que a sua eficiência».
Sr. Ministro, como disse Greta Thunberg no encontro de jovens, um mês antes do arranque da COP26
(26th United Nations Climate Change Conference of the Parties), chega de blá, blá, blá sobre o clima, chega
de dizer uma coisa e fazer o mesmo de sempre. Que dizemos às gerações jovens, Sr. Ministro? Que futuro
para a Europa?
Este é o verdadeiro estado da União Europeia: desnorte, com delírios militaristas, numa casa que está a
arder.
Aplausos do BE.