27 DE OUTUBRO DE 2021
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O maior problema deste Orçamento é que nada faz para travar este desalento. As tímidas medidas sobre
rendimentos — fiscais, sociais, anémicos aumentos da função pública — são incapazes de travar a perda de
poder de compra de quem vive do seu trabalho.
O que foi anunciado como resposta à crise dos combustíveis é o exemplo acabado do complicar para não
resolver.
Mesmo um cidadão a quem se concedera a totalidade do desconto anunciado pelo Governo, não terá mais
do que 5 € de apoio por mês, e só até março, ou seja, o valor de uma viagem da Lousã para Coimbra. E, sabe,
há quem tenha ficado sem comboio e faça esse trajeto quase 50 vezes por mês para ir e vir do emprego.
Muitos anúncios, poucas soluções.
Sr. Primeiro-Ministro, nenhum programa de recuperação será efetivo se não recuperar salários e pensões.
Nenhuma economia é forte sem respeitar quem trabalha.
Há um ano, quando votámos contra o Orçamento do Estado para 2021, avisámos que o futuro passaria
necessariamente pelo trabalho e pelo Serviço Nacional de Saúde. O Governo ignorou-nos e, ao fazê-lo, não
deteriorou apenas as condições para um entendimento parlamentar, deixou degradar também as condições de
vida de quem trabalha e as condições do Serviço Nacional de Saúde.
O Sr. Jorge Costa (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Há demissões nos hospitais todos os dias. Há mais de um milhão de utentes sem médico de família. Os profissionais de saúde estão exaustos e muitos abandonam o SNS.
Não serve prometer investimentos que, como sabe, não serão executados em 2022. Não serve pagar mais
pelas horas extraordinárias acima das 500, o que, aliás, é ilegal. Não serve trocar a exclusividade por uma
dedicação tão pouco plena que um chefe de serviço do SNS continua a poder acumular com segundos e
terceiros empregos na saúde privada.
O que falta é incentivos claros à opção dos médicos e restantes trabalhadores pelo Serviço Nacional de
Saúde, mas isso o Governo não admite.
Os privados da saúde, claro, agradecem a inação. Assistem ao definhamento do SNS e preparam faturas de
milhões de euros em contratualizações com o Estado. O aumento do orçamento para a saúde, sem regras que
permitam fixar trabalhadores no SNS, acabará como tem acabado, em grande medida, nos bolsos dos privados.
Não peça ao Bloco para fingir que não vê.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Muito bem!
A Sr.ª Catarina Martins (BE): — Nas propostas de orçamento e de estatuto para o SNS há qualquer coisa que lembra a triste história dos cuidadores informais: o estatuto existe, está sempre a ser tratado, dotado com
verbas, mas acaba sempre adiado e as verbas por executar. Entretanto, à frustração das pessoas com a falta
de resposta junta-se a frustração pela inconsistência dos compromissos políticos.
Sr. Primeiro-Ministro, neste momento, o Governo de Pedro Sánchez propõe a reversão das leis da troica na
legislação laboral em Espanha.
Este é o momento, é o momento do investimento e da reconstrução dos rendimentos e direitos do trabalho.
Se não é agora, com a Legislatura a meio, quando o contexto europeu é de alívio das restrições, quando será?
Se não avança agora, Sr. Primeiro-Ministro, desbarata a esperança do País.
Se amanhã não tiver o Orçamento do Estado aprovado é porque não quer. Uma a uma, o Primeiro-Ministro
rejeitou, sem explicar ao País porquê, todas as nove medidas que o Bloco de Esquerda apresentou. Pela minha
parte, não creio que tenha feito essa recusa por sinceramente acreditar que o Bloco abdicaria de ter objetivos
próprios ou de respeitar o seu mandato político. Sabe bem que não o faríamos, como não o fizemos há um ano.
O Governo fez, portanto, a sua escolha. Mas ir para eleições, Sr. Primeiro-Ministro, é a escolha errada.
Pela nossa parte, honramos o nosso mandato e assumimos a nossa responsabilidade.
Aplausos do BE.
O Sr. Presidente: — Para responder, tem a palavra o Sr. Primeiro-Ministro, António Costa.