I SÉRIE — NÚMERO 19
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Vamos, então, entrar no primeiro ponto da nossa ordem de trabalhos, que consta da reapreciação do
Decreto da Assembleia da República n.º 109/XIV — Regula as condições em que a morte medicamente
assistida não é punível e altera o Código Penal.
Para abrir o debate, tem a palavra a Sr.ª Deputada Isabel Moreira, do Grupo Parlamentar do PS.
A Sr.ª Isabel Alves Moreira (PS): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O diploma que regula as condições especiais em que a antecipação da morte medicamente assistida não é punível foi aprovado pela
maioria esmagadora do povo português, sentado aqui, na Casa da democracia. Foi aprovado por uma maioria
inquestionável, foi um voto particularmente informado, porque o debate em torno da eutanásia foi, talvez, um
dos debates mais longos, mais profundos, mais abertos e mais participados de que temos memória. Aliás, o
debate parlamentar em si mesmo, na sua pluralidade, foi elogiado, porque a qualidade enobreceu a instituição
parlamentar que alguns agora se esforçam por desprestigiar.
O tema da morte assistida é fruto de longo debate social e parlamentar, e esse debate, com nomes que se
apagaram do nosso convívio mas não da nossa memória, como os de Laura Ferreira dos Santos, João
Semedo ou Luís Marques, que nos pediu mais rapidez, que não aguentou o nosso tempo e morreu na Suíça,
obriga-me a recordar que hoje não cuidamos de revisitar o processo legislativo ou de responder a entidades
cujos pareceres foram emitidos no momento constitucional, legal e regimentalmente previsto. Sinto-me
obrigada a frisar este ponto, em nome da dignidade dos que lutaram pelo espaço de dignidade de todas as
pessoas e em nome da dignidade do Parlamento e do processo legislativo.
Aplausos do PS e do BE.
Este é o momento da reapreciação de um decreto que entendemos devolver ao Sr. Presidente da
República e a entidade que tivemos de escutar, se me permitem a expressão, chama-se Tribunal
Constitucional.
O Presidente submeteu o diploma aprovado a fiscalização preventiva e o Tribunal Constitucional, indo além
do que lhe fora requerido, fez questão de afastar as teses segundo as quais a eutanásia é inconstitucional por
violação da vida humana. Nas palavras do acórdão, «(…) o direito a viver não pode transfigurar-se num dever
de viver em quaisquer circunstâncias. O contrário seria incompatível com a noção de homem-pessoa, dotado
de uma dignidade própria, que é um sujeito auto-consciente e livre, autodeterminado e auto-responsável, em
que se funda a ordem constitucional portuguesa.»
A pronúncia dos juízes do Palácio Ratton cingiu-se aos conceitos de «lesão definitiva de gravidade
extrema, de acordo com o consenso científico», considerando, ao contrário do Presidente da República, que o
conceito de «sofrimento intolerável», embora amplo, não deixa de ser determinável.
Devolvido o decreto à Assembleia da República — como sempre acontece em caso de devolução —, os
autores do mesmo dedicaram-se ao expurgo das normas inconstitucionais. Fizemos o que se fez, há uma
semana, com outros decretos. Fizemos o que decorre da Constituição, com serenidade, com sentido de
responsabilidade, sem reabertura do processo legislativo, porque a ele não há lugar, e agradeço
penhoradamente a disponibilidade das Sr.as Deputadas do PSD Mónica Quintela e Catarina Rocha Ferreira.
O Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 123/2021 entendeu, quer em relação à lesão definitiva, quer
relativamente à sua gravidade extrema, quer, finalmente, no tocante à exigência de um consenso científico,
tendo por objeto lesões definitivas de gravidade extrema, haver violação do princípio da determinabilidade das
leis. Por seu turno, como já disse, contrariando o entendimento do Presidente da República, não fez o mesmo
juízo relativamente ao conceito de «sofrimento intolerável».
O expurgo das inconstitucionalidades referidas decorreu de uma análise cuidada e exaustiva do acórdão,
do caminho apontado pelo mesmo, em termos de Direito Comparado, e assim foi possível densificar os
conceitos, por forma a, no nosso entender, ir ao encontro dos obstáculos de natureza jurídico-constitucional
apontados.
É assim, com toda a serenidade, que damos cumprimento à Constituição, em nome do povo. Não é o que
esperam de nós, é o que exigem de nós.
Aplausos do PS e do BE.