5 DE NOVEMBRO DE 2021
5
O Sr. Presidente: — Tem, agora, a palavra, para uma intervenção, pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda, o Sr. Deputado José Manuel Pureza.
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: O veto presidencial à lei que este Parlamento aprovou, por larga maioria, e que despenaliza a morte medicamente assistida em condições
muito circunscritas fundou-se num acórdão do Tribunal Constitucional que importa recordar. O Tribunal
Constitucional declarou então, de forma inequívoca, que não há nenhuma inconstitucionalidade de princípio na
despenalização. A tese, tantas vezes clamada, de que o direito à vida, tal como previsto no artigo 24.º da
Constituição, não tem de ser harmonizado com outros direitos igualmente fundamentais — como o direito ao
livre desenvolvimento da personalidade — revelou-se sem respaldo no Tribunal Constitucional e foram
vencidos os que a tentaram fixar como fundamento do juízo requerido pelo Presidente da República ao
Tribunal. O Tribunal Constitucional foi claro: o direito à vida não impõe um dever de viver e é legítimo, por isso,
que o legislador parlamentar despenalize a morte assistida em circunstâncias muito delimitadas.
O que o Tribunal Constitucional vincou foi que, para que tal possa acontecer, os parâmetros dessa
despenalização, vertidos em lei, têm de ser forçosamente o mais precisos e o menos indeterminados possível.
E foi por entender que esta exigência não estava totalmente salvaguardada relativamente a um conceito — o
conceito de «lesão definitiva» —, e apenas em relação a ele, que julgou, nesse ponto singular, inconstitucional
o diploma aprovado na Assembleia da República. Foi esse, e apenas esse, o fundamento da devolução do
decreto à Assembleia da República pelo Presidente da República.
O Sr. Pedro Filipe Soares (BE): — Bem lembrado!
O Sr. José Manuel Pureza (BE): — Com todo o sentido de responsabilidade que o assunto exige, os grupos parlamentares e Deputados autores dos projetos que deram origem à lei fizeram um trabalho aturado
de aperfeiçoamento da sua redação para ir ao encontro das preocupações do juiz constitucional. A proposta
de alteração que é, hoje, aqui trazida resulta da adoção de técnicas e conteúdos normativos sugeridos no
próprio acórdão do Tribunal Constitucional, que não se escusou a apontar caminhos já acolhidos, quer no
Direito nacional, quer em ordenamentos estrangeiros, para dotar os conceitos nucleares desta lei da
determinabilidade necessária.
Fizemos o que tínhamos de fazer, em nome da responsabilidade e da ponderação com que sempre agimos
neste longo e exigente processo legislativo. Cada força política associada à proposta de alteração hoje aqui
presente empenhou-se com o maior afinco e com a maior lealdade no aperfeiçoamento jurídico pontual da lei.
É assim que deve ser: este trabalho aturado e este esforço de convergência permitem-nos concluir hoje,
passadas décadas de discussão na sociedade e anos de debate parlamentar, um trabalho legislativo
complexo que abre caminho ao respeito pela dignidade de cada pessoa no final da sua vida.
É devida uma palavra de reconhecimento especial à Deputada Isabel Moreira pelo seu contributo
incansável, no plano do saber jurídico e no plano da articulação política, para a solidez e a qualidade de mais
este passo.
O Bloco de Esquerda volta a vincar hoje que a adoção de uma lei que combine prudência com
determinação, tolerância com rigor, que não obrigue ninguém a ir contra a sua vontade e que permita não
forçar ninguém a ter uma morte que violente grosseiramente as exigências de dignidade que esse alguém se
impôs ao longo de toda a sua vida é um passo que devemos dar.
Com o aperfeiçoamento que agora propomos, fica ultrapassada a motivação constitucional que foi a única
que fundamentou o veto presidencial. E, precisamente porque foi apenas por razões constitucionais que o
Presidente da República não promulgou a lei do Parlamento, deixa agora de haver quaisquer obstáculos à sua
plena adoção. Assim deve ser, em benefício da tolerância, em benefício de uma luta diversificada contra todo
o sofrimento desnecessário e não querido, em nome do respeito pela Constituição, em nome de uma
democracia que respeita.
Aplausos do BE e de Deputados do PS.