I SÉRIE — NÚMERO 19
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cada um sobre o fim da sua vida, mas a atitude a tomar pelo Estado relativamente à fase terminal da vida dos
seus cidadãos.
A autonomia individual é algo que deve ser respeitado, mas uma sociedade organizada não é uma mera
soma de autonomias individuais. Não pode o legislador assumir uma opção legislativa sobre a vida e a morte
das pessoas sem ter em conta as circunstâncias e as consequências sociais dessa opção.
Este não é um debate entre quem preza a dignidade da vida humana e quem a desvaloriza. A dignidade de
cada ser humano perante as circunstâncias da sua própria morte é algo que ninguém está em condições de
julgar.
Não se discute aqui a dignidade individual seja de quem for. O que se discute é a questão de saber se um
Estado que nega a muitos cidadãos os meios para viver dignamente lhes deve oferecer os meios legais para
antecipar a morte.
O Estado português não pode continuar a negar à maioria dos seus cidadãos os cuidados de saúde de que
necessitam, particularmente nos momentos de maior sofrimento.
A criação de uma rede de cuidados paliativos com caráter universal tem de ser uma prioridade absoluta.
Certamente que ninguém aqui entende a eutanásia como um sucedâneo dos cuidados paliativos — não é isso
que está em causa —, mas, para o PCP, há uma questão que é incontornável: um país não deve criar
instrumentos legais para ajudar a morrer quando não garante condições materiais para ajudar a viver.
O Sr. João Oliveira (PCP): — Muito bem!
O Sr. Telmo Correia (CDS-PP): — Muito bem!
O Sr. António Filipe (PCP): — A evolução da ciência e da técnica tem permitido avanços da medicina que eram impensáveis ainda há poucos anos. Essa evolução é inexorável e é cada vez mais rápida.
O Sr. Presidente: — Sr. Deputado, peço-lhe para concluir.
O Sr. António Filipe (PCP): — Vou concluir, Sr. Presidente. A questão é que os recursos disponíveis sejam postos ao serviço de toda a comunidade.
Através de boas práticas médicas que rejeitem o recurso à obstinação terapêutica e que respeitem a
autonomia da vontade individual, expressa através das manifestações antecipadas de vontade que a lei já
permite, o dever do Estado é garantir que a morte seja sempre assistida, mas não que seja antecipada.
Num quadro em que, com frequência, o valor da vida humana surge relativizado em função de critérios de
utilidade social, de interesses económicos, de responsabilidades e encargos familiares ou de gastos públicos,
a legalização da eutanásia acrescentará novos riscos que não podemos eludir.
Aplausos do PCP.
O Sr. Presidente: — Tem a palavra, para uma intervenção, a Sr.ª Deputada Bebiana Cunha, do Grupo Parlamentar do PAN.
A Sr.ª Bebiana Cunha (PAN): — Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados: Estamos perante um longo caminho pela dignidade humana. Cidadãos e cidadãs que esperam, que anseiam um cenário legislativo que
contemple maior dignidade para aquela que entendem ser a melhor opção em determinadas condições da sua
vida.
Sr.as e Srs. Deputados, a lei não pode ser moralizante, mas pode, e deve, ser justa. A justiça serve e
defende quem sofre, quem não tem cura para o seu estado clínico e quem, independentemente da opinião de
terceiros, tem o direito a tomar decisões sobre a sua própria vida.
Este tem sido um debate sério, alargado a todas as esferas da sociedade civil. Aliás, a complexidade desta
matéria assim o exige. Todas e todos puderam apresentar os seus pontos de vista, mas não podemos
esquecer nunca aqueles e aquelas a quem esta lei se dirige.