13 DE NOVEMBRO DE 2021
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identificando categorias de animais mais facilmente concretizáveis — domésticos ou domesticados, temporária
ou permanentemente sob controlo humano, ou animais que não vivam em estado selvagem —, sendo por isso
capaz de oferecer não só uma zona de consenso parlamentar alargado, o que é importante, mas também uma
zona de certeza na aplicação por parte dos operadores judiciários, o que é igualmente importante ou, se calhar,
é até mais importante do que isso.
Portanto, alguma imprevisibilidade que tenhamos neste conceito gera-nos uma preocupação, percebendo,
no fundo, o que está na base da proposta apresentada pelo PAN. Por isto, parece-nos que uma solução de tipo
espanhol é preferível, pois é mais clara quanto ao objeto da proteção, é cultural e juridicamente mais próxima
da realidade portuguesa e é potencialmente geradora de um consenso alargado e de um consenso social maior,
bastando ver os temas que, como todos sabemos, são trazidos à colação neste debate, sejam a caça, a pesca
ou a atividade tauromáquica, que, em Espanha, convivem com a realidade de um Código Penal que criminalizou
determinadas condutas.
Mas esse não é o debate que estamos a fazer hoje. São sabidas as posições diferentes que todos temos
sobre essas atividades — a tauromaquia, a caça ou a pesca —, mas, repito, não é esse o debate de hoje e é
importante que isso fique claro. Mais uma vez: olhemos para o que é consensual e em relação ao qual se podem
dar passos em conjunto e não para aquilo que, para já, não está em cima da mesa.
O Direito Penal é a última ratio do Direito, pelo que, evidentemente, tanto quanto possível, deve ser tão
consensual e claro na identificação dos seus propósitos. Isto leva-me ao segundo ponto, que é o da delimitação
do âmbito da criminalização, ou seja, do que pode e deve ser entendido como motivos legítimos para efeitos da
exclusão da existência de uma sanção criminal.
Atualmente, a lei — se calhar, não com a melhor técnica legislativa —, no n.º 2 do artigo 389.º, acaba por ter
referência a um conjunto de atividades, sendo explícito e claro que não são postas em causa por esta opção de
reforço da tutela penal. São elas a pecuária, a agricultura, a agroindústria, os espetáculos, mas poderíamos até
acrescentar outras, como as práticas veterinárias.
Já foi suscitado neste debate se uma esterilização é, ou não, algo que possa ser considerado como motivo
legítimo, por exemplo. Evidentemente que é, de acordo com a leges artis da medicina veterinária.
Consensualmente, nós, que estamos a desenvolver a lei, chegamos a esta conclusão, mas é vantajoso que isto
possa estar expresso de forma muito clara na legislação e, por isso mesmo, parece-nos que há muito trabalho
de desenvolvimento e de especialidade, até para acautelar outras dúvidas que, no futuro, se possam levantar
quanto à determinabilidade dos conceitos que estamos a utilizar.
Portanto, há um sentido de oportunidade na iniciativa que não pode ser desligado do debate que se faz nos
tribunais e nas apreciações de situações concretas, havendo até uma oportunidade para o legislador, que, de
forma tão consensual — quase sempre com unanimidade ou, pelo menos, com ausência significativa de
oposição —, o tem vindo a fazer ao longo dos últimos anos.
Nesse sentido, é fundamental que se densifique «motivo legítimo» ou que se definam exatamente quais são
as atividades em que os animais são utilizados e que estão fora do âmbito desta tutela criminal, seja por via do
n.º 2 do artigo 389.º ou através de um aprofundamento do conceito de motivo legítimo, uma questão técnico-
jurídica que não é necessariamente para o debate de hoje, mas para debate em comissão. Podemos, até, refletir
sobre o desenvolvimento e aprofundamento de alguns tópicos que ajudariam a lei a ser mais clara.
A Sr.ª Deputada Cecília Meireles, com alguma precisão, apontava, por exemplo, o conceito de sofrimento. É
verdade que há elementos objetivos de consenso científico que permitem identificá-lo, tais como aqueles que
passam pela nutrição ou subnutrição de um animal, pelas agressões aos animais, pelo treino desajustado às
características naturais dos animais, mas que, até certo ponto, não estão presentes no Código Penal e que,
eventualmente, poderiam e deveriam estar.
Ou seja, tentando sumariar, de forma a concluir e para que prossigamos com o debate, foi possível encontrar
consenso em 2014, 2015 e 2020, sempre numa ótica de que, nesta Câmara, haverá certamente quem queira ir
mais longe e quem queira, com mais cautela, ir num passo não tão apressado. Mas, de facto, o que nos
interessa, enquanto legislador que quer corresponder às aspirações dos cidadãos que se mobilizam para esta
causa, é tentar definir, dentro do que é possível, um consenso.
Caso haja oportunidade para fazer este debate na especialidade — e volto a dizer que, com a redação que
atualmente se encontra perante os nossos olhos, não podemos acompanhar com voto favorável —, com estes
tópicos e com estes elementos, temos disponibilidade para aprofundar o debate e procurar corrigir o texto, pelo