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26 DE ABRIL DE 2023

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Sabe que a ditadura estava exausta, já não tinha conseguido, ainda em salazarismo, sequer o mínimo de renovação. Falhara depois, na liberalização. Isso mesmo o disse Francisco Sá Carneiro ao falar na liberalização bloqueada.

Dera passos tímidos, no sentido do desenvolvimento e do acordo comercial com a Europa, mas não no sentido da plena integração europeia. Continuava, se não mesmo agravava, a atuação repressiva e o sacrifício das liberdades, também por causa da situação militar. E, sobretudo, o seu principal bloqueamento reconduzia-se a isto: ter milhares e milhares de homens, anos sem fim, a cumprir missões decididas por outros, missões que não tinham futuro político.

Essa era a realidade traduzida, aliás, no afastamento dos dois mais prestigiados chefes militares e nos pedidos de demissão do chefe do Governo, mais do que um nos últimos tempos antes do 25 de Abril.

Mas há aqueles que consideram que o 25 de Abril de hoje não só é imperfeito, como é frustrante, por razões que não se prendem com um regresso a um passado impossível. Tem a ver com o 25 de Abril que sonharam, que os mais velhos sonharam e que se não concretizou ou apenas se concretizou em parte.

Têm alguma razão, porque, em todas as revoluções, não houve uma revolução, houve várias e essas revoluções conheceram sucessos diferentes em tempos diferentes.

A revolução de António Spínola era ou foi diferente da revolução de Francisco Costa Gomes; a revolução de Francisco Costa Gomes foi diferente da revolução de António Ramalho Eanes; a revolução de António Ramalho Eanes foi diferente da revolução de Vasco Gonçalves; a revolução de Vasco Gonçalves foi diferente da revolução de Otelo Saraiva de Carvalho ou de Ernesto Melo Antunes ou de muitos outros Capitães de abril.

Cada um sonhava ou sonhou, em algum momento, durante o processo revolucionário, com um 25 de Abril diferente. Se passarmos para os pais civis da democracia portuguesa, o 25 de Abril e a Revolução de Álvaro Cunhal foram diferentes do 25 de Abril e da Revolução de Mário Soares, diferentes da Revolução e do 25 de Abril de Francisco Sá Carneiro e diferentes do 25 de Abril e da Revolução de Diogo Freitas do Amaral.

Como em todas as revoluções ou ruturas, há umas que triunfam e outras que falham, normalmente nunca de forma total. São vencidas parcialmente. É natural que muitos dos que formaram ou aderiram àquela frente nacional para abrir caminho para um novo regime sintam que a sua visão própria ficou por concretizar.

O mesmo se dirá da Constituição. Uma coisa foi a Constituição, que tive a honra de votar como muitos outros, em 1976; outra bem diferente foi a revisão dessa Constituição em 1982 ou em 1989 ou em 1997 — só para referir as mais profundas, duas das quais acompanhei de muito perto. Era a mesma Constituição em termos formais e em muito da sua substância, mas ficaria profundamente alterada pelo termo do período de transição política em 1982, e ainda mais em matéria económica e social em 1989 e 1997. Uns tinham vencido e outros tinham perdido.

O mesmo se passou por cada eleição presidencial, por cada eleição parlamentar, por cada primeiro-ministro, por cada presidente de Governo regional ou autarca. As soluções variaram. Ao variarem as visões do 25 de Abril e, sobretudo, as suas concretizações, uns ganhavam e outros perdiam.

Houve Presidentes de direita com Governos de direita e com Governos de esquerda, Presidentes de esquerda com Governos de esquerda e Governos de direita e houve ganhadores e perdedores. A concretização dos sonhos de cada ato eleitoral, também ela, foi uma concretização, que, muitas das vezes, ficou largamente frustrada, nuns casos tendo levado à permanência da Legislatura, noutros, mais raros, porque mais pesados, à sua redução.

Ansiava-se e anseia-se por ainda melhor democracia. Ansiava-se e anseia-se por mais crescimento, por mais igualdade, por mais justiça social, por melhor educação, por melhor saúde, por melhor habitação, por melhor solidariedade social, por mais ambiente, visão intergeracional, papel da mulher, desempenho de jovens e de setores excluídos ou ignorados da sociedade, por menor pobreza e falta de coesão social e territorial, esse flagelo que, infelizmente, marcou todos os períodos, mesmo os períodos de maior expansão dos últimos 50 anos. Nunca conseguimos reduzir a menos de um milhão e meio o número de pobres.

Ansiava-se e anseia-se, porque faz parte da lógica da democracia e é imposto pelo conjunto de desafios que se têm sucedido, a ritmo extremamente acelerado, o haver sonhos, aspirações ou tão-só expectativas e, em muitos casos, a não realização desses sonhos, dessas aspirações e dessas expectativas desilude, desaponta, frustra as gerações de 70 ou de 80, como, talvez ainda mais, as do fim do século e destes 20 anos de século XXI. Nuns casos, nos menos jovens, por parecer uma vida perdida; noutros, nos mais jovens, por parecer uma vida sacrificada à partida.