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I SÉRIE — NÚMERO 31

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morrer, que isso trouxesse esperança, que isso fosse uma história, que cada um de nós pudesse trazer esperança aos olhos de uma criança em Gaza.

Não comecei com as palavras de Refaat Alareer por concordar com ele em tudo — Refaat Alareer considerou os ataques do Hamas do passado dia 7 de outubro justificados e eu aqui, na primeira ocasião, nesta tribuna, disse que eram completamente injustificados —, comecei com as palavras de um poeta de Gaza porque em alguma coisa havemos de concordar e aquilo em que havemos de concordar é que as palavras ainda nos salvam e pelas palavras nos entendemos.

Poderia ter começado com a história do Prof. Alex Danzig, um historiador que, tendo nascido na Polónia e sendo um sobrevivente do Holocausto, dedicou a sua vida a falar da Polónia em Israel, a falar de Israel na Polónia e em trazer amizade entre as gerações daqueles que se tinham chacinado e massacrado. O Prof. Danzig foi sequestrado no dia 7 de outubro e ainda está refém em Gaza. As últimas notícias que tivemos é que o Prof. Danzig estava a dar aulas de História aos seus companheiros reféns e a quem o quisesse ouvir, como fizeram, ao longo da história, tantos historiadores quando foram reféns, quando estiveram nos guetos, quando estiveram nos campos de concentração, fazendo desse dom da palavra uma maneira de criar futuro relembrando o passado.

O poema de Refaat Alareer fala-nos de uma criança em Gaza, mas também poderia ter começado pela história de Almog. Almog é o filho de dois anos de Or Levy. Or Levy é um refém israelita que está há 74 dias preso, cuja mulher, a mãe do pequeno Almog, foi assassinada no dia 7 de outubro. E, portanto, o pequeno Almog não vê o seu pai há 74 dias. O seu tio, Michael, que encontrei ontem, não sabe sequer dizer ao seu sobrinho se voltará a ver o pai.

Podíamos começar por muitas histórias e temos de começar pelas histórias das pessoas, porque ninguém pode ter a certeza de que dirá tudo certo num debate sobre Israel e a Palestina. Mas há, talvez, uma maneira de nos enganarmos menos, que é começar pelas vítimas, sejam as vítimas dos ataques hediondos do Hamas a 7 de outubro, sejam as vítimas dos bombardeamentos desproporcionais, brutais, injustificados à Faixa de Gaza.

Depois de falar das vítimas, temos de falar dos perpetradores e, independente da posição que tenhamos, saber nomear os perpetradores e não ter medo de o fazer; saber designar o Hamas como entidade terrorista, que oprime o povo palestiniano e que tem um culto antissemita da morte, que só quer um Estado do Jordão até ao mar; saber nomear o exército de Israel e o Governo de Israel de Netanyahu, que violam o direito internacional ao promover este cerco a Gaza e este bombardeamento, e onde há elementos que também só querem um Estado do Jordão até ao mar.

Protestos do Deputado do CH Pedro dos Santos Frazão. Nomeando as vítimas, nomeando os perpetradores, devemos dizer aquilo que ouvimos, como aquilo que

ouvi num campo de refugiados na Síria. Lá havia crianças palestinianas do Iraque que, para sobreviver, tinham de mentir acerca da sua própria identidade, dizendo que eram xiitas quando eram sunitas. Contaram aos Deputados ali presentes a sua história e, no fim, estávamos todos praticamente lavados em lágrimas, como estaríamos também se ouvíssemos a história das famílias dos reféns e dos assassinados de 7 de outubro.

Depois de ouvir essas histórias e ouvir os responsáveis políticos — reunimos para preparar este debate com o representante diplomático da Palestina e o representante diplomático de Israel —, sabemos que aquilo com que todos nós concordamos é que é preciso um compromisso e que esse compromisso tem que ver com o território, com o reconhecimento de um Estado, com o reconhecimento da capital de um Estado e de outro Estado, porque não há solução de dois Estados sem reconhecermos ambos. Isso, na verdade, é o mais fácil. O mais difícil vai ser estas duas sociedades conseguirem recuperar e reconciliarem-se nas próximas gerações.

Quando olhamos para as fotografias de israelitas e palestinianos, vemos que eles são, afinal, tão parecidos, e tão parecidos com libaneses, e tão parecidos com cipriotas e, na verdade, tão parecidos com portugueses, dos mesmos povos mediterrânicos que há milhares de anos vivem nesta região. Uma criança, quando nasce, não escolhe nascer de um lado ou do outro de uma fronteira.

Temos de começar por estas histórias, porque estas histórias dizem-nos que, num debate em que naturalmente haverá espaço à discordância, em alguma coisa temos de concordar. E nestas coisas fundamentais temos de concordar ou perdemos a nossa humanidade.