20 DE DEZEMBRO DE 2023
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A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Sr. Presidente, Sr.as Deputadas, Srs. Deputados: O conflito no Médio Oriente
preocupa-nos e ocupa a agenda política e mediática de todo o mundo. Não por ser inusitado, mas pela dimensão de horror, sofrimento e morte.
Este não é apenas mais um conflito entre Israel e Palestina, a somar aos muitos que ocorreram ao longo das décadas. Foram tantos e começaram há tanto tempo que, provavelmente, ninguém nesta Sala era nascido quando tudo começou. Ainda nem sequer tinha sido criado o Conselho da Europa, a mais antiga instituição europeia e a principal organização dos direitos humanos, e já o conflito israelo-palestiniano preocupava o mundo.
Como é possível? É a pergunta que perpassa pela mente de muitos de nós. É a realidade, impensável e dolorosa.
Heródoto dizia que é preciso pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro. O conhecimento da história devia evitar que os erros do passado se repetissem no presente e no futuro. Sabemos que não é assim. Nem sempre a humanidade soube aprender com a história e dela retirar lições e ilações, mas não é por isso que devemos desistir de retirar ensinamentos do passado para melhor acautelar o futuro.
O conflito entre Israel e a Palestina é um dos mais longos e complexos da história contemporânea, atravessa décadas de tensões e confrontos, cuja génese mergulha na história, na religião e na geopolítica do Médio Oriente. A religião tem, aliás, desempenhado um papel central na criação e manutenção deste conflito, acrescentando obstáculos ao, de si já muito complexo e difícil, caminho da paz.
No início de 1947, a Grã-Bretanha, que administrava a Palestina após a Primeira Guerra Mundial, reconheceu a impossibilidade de resolver o crescente conflito entre árabes e judeus e defendeu a criação de dois Estados, um árabe e um judeu. Essa proposta de partilha da Palestina foi aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, através da Resolução 181, em novembro de 1947, atribuindo-se cerca de 56 % do território aos judeus e 44 % aos árabes.
Desde o fim do mandato britânico e da criação do Estado de Israel, em 1948, a região tem sido palco de conflitos intermitentes, esforços de paz frustrados, mudanças várias, deslocamento de populações, ciclos de violência renovados.
A década de 1990 trouxe esperança com os acordos de Oslo, que visavam estabelecer um Estado palestiniano na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. O início do século XXI testemunhou mais conflitos e a situação tornou-se ainda mais complexa com a emergência de grupos extremistas islâmicos como o Hamas, o Hezbollah e o Estado Islâmico, por um lado, e a ascensão ao poder em Israel de uma direita prepotente que não acredita na solução de dois Estados e que tudo tem feito para a boicotar.
É assim que, apesar de décadas de esforços e negociações internacionais, a paz na região parece estar cada vez mais distante. Os acordos de Oslo, já o afirmei, representaram um passo importante, mas a intransigência de setores radicais dos dois lados tem dificultado a construção de uma solução duradoura.
Perda de terras, colonatos ilegais com mais de 700 000 colonos — contra todas as resoluções das Nações Unidas, diga-se —, controlo das fontes de água e energia, restrições de movimentos, dificuldades económicas, escassez de bens essenciais, como alimentos e medicamentos, e a constante presença militar israelita tornam as condições de vida dos palestinianos mais do que precárias e inaceitáveis. A Faixa de Gaza e a Cisjordânia transformaram-se no que muitos apelidam de prisões a céu aberto, o que representa uma gritante violação dos direitos humanos.
Sr. Presidente, Sr.as e Srs. Deputados, os acordos de paz negociados e assinados foram sistematicamente ignorados e esquecidos pelos intervenientes nos processos e pela comunidade internacional.
Assim, chegámos ao trágico dia 7 de outubro, que nunca deveria ter acontecido. O ataque terrorista perpetrado pelo Hamas tem de ser condenado sem reservas, como todos os atos terroristas. Israel tinha e tem o direito de se defender. Ninguém põe em causa o direito de Israel a defender a sua população e o seu território; ninguém põe em causa o direito de Israel a viver em paz.
O Sr. Bruno Dias (PCP): — Mas é o que está a acontecer! A Sr.ª Edite Estrela (PS): — Mas agora já não se trata disso. Aquilo a que estamos a assistir é muito mais
do que isso. Por maiores que tenham sido as atrocidades cometidas pelo Hamas, e foram, estas não se resolvem