O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

30 DE JANEIRO DE 1985

1093

Numa sociedade democrática, liberta e desconstran-gida como deveria ser a nossa em todos os seus domínios, compreende-se algo mal que, por exemplo, continuemos numa situação muito próxima daquela que se pôde diagnosticar e segundo a qual, entre 1976 e 1980, a Fundação Calouste Gulbenkian gastou, em fins artísticos e científicos, sensivelmente metade da verba atribuída pelo Orçamento do Estado à Secretaria de Estado da Cultura de então.

Ora, este panorama mantém-se, ou melhor, na realidade, se virmos as coisas com rigor, terá até piorado, quando se impunha inverter a marcha, independentemente do carácter positivo da acção da Gulbenkian e de fundações ou associações congéneres.

Em suma, suponho que o corte nas verbas, especialmente sentido na Direcção-Geral da Acção Cultural, terá de ser revisto em termos categóricos, não só por opção do Sr. Ministro da Cultura mas por opção dos Srs. Deputados aqui presentes e, naturalmente, daqueles que têm a seu cargo a elaboração do Orçamento do Estado (está aqui o Sr. Secretário de Estado do Orçamento, que eu bem gostaria que estivesse atento a estas coisas).

A palavra inicial com que o Sr. Ministro Coimbra Martins se nos dirigiu foi de alerta, de preocupação e, para além do mais verdadeira — afirmando que o orçamento da cultura continua a baixar na sua relação com os outros departamentos do Estado. Devo dizer que, para nós, tal situação é, desde logo e à cabeça, inteiramente inaceitável. Impor-se-á que o Sr. Ministro da Cultura, tal como os Srs. Deputados aqui presentes, consigam inflectir este caminho e dizer aos tutores do Orçamento do Estado que este não é o modo de tratar a cultura numa sociedade democrática e civilizada e que urge seguir por outras vias. É um pouco isso o que nós pretendemos ao longo desta intervenção, facto que, em geral, não pode deixar de merecer algum atendimento por parte de outras bancadas.

Referi, de entre os problemas graves, o que se está a passar com a Direcção-Geral da Acção Cultural. O Sr. Ministro terá oprotunidade de especificar melhor aquilo que entender relativamente a este domínio, mas no Orçamento desenvolvido vemos que existem algumas verbas que nos sucitam dúvidas, e por isso o questionava.

Desde logo e relativamente aos 20 000 contos para aquisição de serviços não especificados, pergunto-me se esta verba não poderá ser discriminada, embora se constate não ser avultada se a compararmos com as suas similares, por exemplo, do Ministério de Rosado Correia. De qualquer modo, 20 000 contos são 20 000 contos, pelo que é bem capaz de ser necessário sabermos o que é que se vai fazer com eles.

Adiante, apenas 113 000 contos vêm sob a rubrica das transferências para instituições particulares. Creio que é com este montante que pensa vir a poder responder às solicitações dos centros culturais e às diversificadas necessidades que se situam neste sector, ficando para o Fundo de Teatro 97 800 contos, o que, pelas contas que fiz, corresponde a 12% de aumento relativamente ao ano transacto, bastante abaixo, portanto, da taxa de inflação prevista. Isto para um sector extremamente sensível e com uma enorme carência de apoio ao nível da capital do Pais, da cidade do Porto — onde está a realizar-se uma actividade teatral de grande relevo — e também na esfera da descentralização, uma vez que ainda admito não se ter «perdido

o pé» dessa boa perspectiva de trabalho no Ministério a que o Sr. Dr. Coimbra Martins preside.

Se esta moldura de penúria é pouco menos do que angustiante na Direcção-Geral da Acção Cultural, não podemos deixar de considerar que, do mesmo modo, há outras bastante pouco lisonjeiras: diminuem as verbas da Direcção-Geral dos Espectáculos e do Direito de Autor, diminuem as verbas do Gabinete das Relações Culturais Internacionais, aumentam, de maneira muito leve, as verbas relativas aos arquivos e bibliotecas e mesmo aos museus e há um efectivo aumento dos investimentos do Plano, que há pouco foi referido e não pode deixar de ser detectado, mas que continuo a considerar altamente insuficiente, pelo que teremos algumas propostas de reforço a fazer dentro de momentos. Assim, embora haja consignações justas e adequadas na especificação, na discriminação das verbas dos investimentos do Plano, o indesmentível é que há outras que estão ausentes.

E se é verdade — digamos isto num parêntesis — que será sempre possível afirmar que há um castelo com uma pedra a cair e uma igreja com um buraco por onda entra a chuva, não o é menos que é preciso ir, tanto quanto possível, diminuindo essas possibilidades. Há uma dialética óbvia entre o impossível e o possível. Como disse o Jorge Amado, já há longos anos — e todos nós o sufragaremos, pelo menos os que estamos na vida com uma certa aposta de transformação e de consolidação de conquistas —, o importante é tentar mesmo o impossível, porque por esse caminho acabaremos por tornar o impossível possível.

Bom, mas este foi apenas um parêntesis em relação à observação que o Sr. Ministro fez há pouco.

Iria continuar para, nalguma discriminação, apontar outras questões para as quais bem desejaria de uma resposta sua.

O teatro fica, como se viu, drasticamente penalizado e o cinema não deixará de ter constrições significativas — o Ministério continua a adoptar o critério de subsidiação de uma grande fita, que este ano será a de Paulo Rocha (será? não será? vai ter oportunidade de me dizer), ou, pelo menos, de apoiar uma grande realização, como fez com o Soulier de Saíin, de Manoel de Oliveira, e, paralelamente, de ajudar à realização de outros projectos apresentados a concurso pelos cineastas portugueses.

Mas o Instituto Português de Cinema vai ver-se a braços com uma crise terrível: a suscitada pelo imposto sobre o valor acrescentado. Aliás, apelo mais uma vez ao Sr. Secretário de Estado do Orçamento para as rés-teas de sensibilidade cultural que tenha no sentido de estar bem atento a isto.

É que não vai acontecer nada de animoso nem sequer de perdoável. Tudo é de uma extraordinária gravidade e o Sr. Ministro tem obrigação de desnudar o que vai acontecer neste domínio. O que adiantou como solução na reunião que tivemos em comissão não passa de uma medida de natureza precária, como, de resto, reconheceu atempadamente. Já que estou a falar das consequências do novo imposto, outro tanto se diga no tocante à sua aplicação ao livro.

Tem-se feito uma enorme mistificação na televisão, na rádio e nos jornais relativamente ao IVA — ele vem substituir outros impostos, ná é mais um, diz-se aí na «moxinifada» de propaganda que tem estado a ser feita.