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27 DE MARÇO DE 1985

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da Constituição, órgãos de soberania; por isso, não surpreende que, sem prejuízo do direito que aos cidadãos assiste de recorrer junto dos tribunais de deliberações dos órgãos autárquicos, seja conferido a um órgão de soberania o direito-dever de verificar se os órgãos do poder local cumprem a lei, verificação que visa obviamente o próprio prestígio das instituições e dc Estado de direito democrático.

Porém, essa verificação não pode, como cremos ser evidente, ficar ao sabor de critérios meramente arbitrários, mas tem antes de obedecer a regras e princípios gera;s e bem definidos, tanto no que se refere aos casos como às formas a que deve respeitar tal verificação.

Daí a necessidade de legislação ordinária que regulamente o preceito constitucional, que ficou parcialmente transcrito, legislação que cai no âmbito da competência reservada da Assembleia da República, por virtude da alínea r) do n.° 1 do artigo 168.° da Constituição.

Esta, na alínea é) do seu artigo 202.°, diz-nos qual o órgão de soberania ao qual incumbe o direito-dever de exercer essa verificação do cumprimento da lei.

Consideramos ser aqui de salientar que a verificação do cumprimento da lei no desenvolvimento da tutela administrativa não se confunde, nem pode confundir, com a apreciação, caso a caso, da legalidade ou ilegalidade de deliberações de órgãos autárquicos a fazer pelos tribunais, em via de recurso.

É que, como bem se alcança, as finalidades e as consequências são totalmente distintas, pelo que é indispensável que a consagração constitucional e legal de recurso por parte dos cidadãos interessados aos respectivos tribunais não consome essa sujeição dos órgãos autárquicos à tutela administrativa; enquanto a intervenção judicial visa a apreciação e possível anulação do respectivo acto administrativo, a tutela tem como objectivo a apreciação da acção dos órgãos autárquicos, tendo em conta as normas legais aplicáveis, sendo diversas as consequências da verificação do incumprimento da lei.

Porém, o exercício pelo Governo da tutela administrativa sobre os órgãos autárquicos relativamente à «verificação do cumprimento da lei» não pode perder de vista, e muito menos violar, o que constitucionalmente se acha consagrado, desde logo, nos artigos 237.°, n.° 2, 239.°, 270.° e 272.° da Constituição, disposições donde emerge, além do mais, o próprio princípio da autonomia do poder local, indiscutivelmente uma das grandes e importantes consequências saídas do regime democrático.

A presente proposta de lei — sem embargo de dever merecer diversas correcções e melhorias de redacção, em sede de especialidade, algumas inclusivamente para clarificar o conceito de tutela e formas do seu exercício — está em condições de ser apreciada em Plenário da Assembleia da República, já que se enquadra nos normativos constitucionais respectivos.

Não quer, todavia, a Comissão de Administração Interna e Poder Local deixar de abordar, em linhas muito gerais, um dos problemas que de forma candente tem suscitado, e continua a suscitar, a questão da competência do governador civil, como representante do Governo, para exercer a tutela.

Ê indiscutível, face à norma transitória constante do artigo 295.° da Constituição, que ao governador civil compete «representar o Governo e exercer os poderes de tutela na área do distrito». Contudo, esta

norma não significa que não caiba ao legislador ordinário — no caso a Assembleia da República — definir os termos e o modo como essa competência tutelar pode e deve ser exercida.

A proposta de lei n.° 72/111 apresenta-nos uma forrns do exercício dessa competência, que não cremos inconstitucional, mas tal não impede que a Assembleia da República não possa adoptar forma diversa para o exercício dessa competência, e isto porque o citado artigo 273.° é bem claro em prescrever que à lei é que cabe definir os «casos» e as «formas» pertinentes ao exercício da tutela administrativa.

Palácio de São Bento, 14 de Março de 1985.— O Relator, António Marques Mendes.

Aprovado por maioria na subcomissão; o Partido Comunista Português votou contra o respectivo parecer e apresentará a sua declaração de voto na Comissão de Administração Interna e Poder Local.

Assembleia da República, 14 de Marçode 1985.— O Coordenador da Subcomissão, Abreu Lima.

Declaração de voto

Embora considerando que o relatório apresentado contempla algumas reservas e sugestões críticas à proposta de lei n.° 72/111 — Lei da Tutela sobre as autarquias, o PCP votou contra pelas seguintes razões:

I.° A proposta viola o princípio da autonomia do poder local, violando, designadamente, o disposto nos artigos 6.° e 237." e seguintes da Constituição da República;

2.° A proposta aponta claramente para a gover-namentalização das autarquias locais e tenta introduzir o dirigismo centralizador do Código Administrativo de Marcelo Caetano;

3.° A tutela tem carácter excepcional e é de natureza exclusivamente inspectiva, só podendo consistir na verificação do cumprimento da \ei pelos órgãos autárquicos. No n.° 1 do artigo 243.° da Constituição foi introduzida aquela expressão para significar que não é admissível nenhuma forma de tutela directiva, correctiva ou substitutiva sobre as autarquias por parte do Governo, designadamente as clássicas e marcelistas circulares, instruções ou determinações;

4.° A dissolução dos órgãos autárquicos reveste particular excepcionalidade e gravidade, só sendo admissível quando se verifiquem acções ou omissões ilegais graves. Mas a proposta não define a metodologia das acções de tutela, não regulamenta a actividade inspectiva ordinária e não circunscreve com rigor a actividade inspectiva extraordinária, designadamente tipificando as suas causas, modalidades e limites, não tipifica as acções ou omissões ilegais graves que podem ser causa de dissolução;

5.° A proposta contraria assim grosseiramente o sentido, alcance e limites constitucionais definidos para a tutela administrativa, violando, entre outros, o disposto nos artigos 243." e 202.°, alínea d), da Constituição da República;

6.° A proposta restringe ainda inconstitucionalmente os direitos de participação na vida pú-