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II SÉRIE — NÚMERO 62

PROPOSTA DE LEI N.° 54/IV

AUTORIZA O GOVERNO A APROVAR O CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO

DAS PESSOAS SINGULARES (IRS) E O CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO DAS PESSOAS COLECTIVAS E LEGISLAÇÃO COMPLEMENTAR (REFORMA FISCAL)

Exposição de motivos

1 — Necessidade de uma reforma

Objecto da última reestruturação global no início dos anos sessenta — já lá vai o espaço de uma geração — o nosso sistema de tributação do rendimento mostra-se manifestamente desajustado da realidade económico-social do País, tendo desde aquela época evoluído por forma desordenada, com acentuação de cracterísticas como a complexidade excessiva, a desigualdade de tratamento entre contribuintes com níveis comparáveis de rendimento, o estreitamento das bases de tributação, o agravamento crescente — só contrariado nos últimos anos — das taxas nominais, com efeitos de desencorajamento do esforço de poupança e da aplicação ao trabalho e de incentivo da evasão, a instabilidade e a falta de coerência interna do regime das diferentes categorias fiscais, a deficiente articulação entre umas e outras.

E a reforma da tributação do rendimento, que há muito se sabe constituir uma das traves mestras da indispensável modernização do Pais, que agora se empreende, pondo-se termo a uma série de iniciativas sem continuidade que, em certos períodos, chegaram a suscitar descrença quanto à capacidade de reestruturar esta matéria fundamental da organização económica do País; reforma que visa objectivos de eficiência económica e de realização da justiça social e que se elabora na perspectiva da simplificação no cumprimento dos deveres tributários.

2 — Antecedentes históricos

Em Portugal a tributação do rendimento, em perspectiva de imposto geral, teve o seu início com a décima militar, criada em 1641 para fazer face às despesas da Guerra da Restauração, cujo regime básico foi consolidado no Regimento de 1654.

Abrangendo, à taxa uniforme de 10%, os rendimentos de prédios, capitais, ofícios e rendas, a décima era dividida em categorias, nas quais se encontram as raízes de quase todos os impostos directos periódicos portugueses. Sem embargo das suas óbvias limitações, vistas à luz das exigências de uma fiscalidade moderna, a décima constituiu, pela sua globalidade, um antecedente histórico do imposto único que agora se pretende instituir.

Na evolução do sistema fiscal ao longo do século xix assistiu-se à decomposição do regime da décima e à organização dos principais impostos cedulares e reais que sobreviveram até aos nossos dias: as contribuições predial e industrial e a décima de juros, que, depois de reestruturada e ampliada na base da sua incidência, veio a dar o actua) imposto de capitais.

Soçobraram, entretanto, as tentativas de criação de impostos visando realizar a tributação global do rendimento, designadamente as que foram feitas através das leis de 1845 e 1880.

Foi a reforma fiscal de 1922 que, assente na preocupação de atingir rendimentos reais, criou o nosso primeiro imposto global verdadeiramente pessoal. Mas a categoria fiscal então instituída deparou com dificuldades intransponíveis de aplicação, gerando-se uma situação geral de incumprimento que apressou a sua substituição pelo imposto complementar — substituição concretizada antes mesmo de introduzida a reforma tributária de 1929, orientada para a tributação de rendimentos normais. O imposto complementar, articulado com o novo quadro de impostos parcelares — incluindo o então criado imposto profissional —, passou a funcionar em relação a estes como tributo de sobreposição.

A reforma da tributação do rendimento realizada entre 1962 e 1965, e ainda hoje vigente nas suas linhas gerais, embora muito adulteradas, não alterou a estrutura dualista do sistema: impostos cedulares ou de produto incidentes sobre as diferentes fontes de rendimento e prescindindo das circunstâncias pessoais dos contribuintes; imposto complementar sobrepondo-se ao conjunto global dos rendimentos já submetidos aos impostos reais e tendo em conta a situação pessoal dos contribuintes. Os esforços do reformador fiscal concentraram-se na tributação dos rendimentos reais e efectivos, especialmente na contribuição industrial e na predial urbana, autonomizando-se da contribuição predial rústica os lucros das explorações agrícolas, objecto do novo imposto sobre a indústria agrícola, o qual veio, no entanto, a manter--se quase sempre suspenso.

3 — A inovação central: a tributação global

A remodelação do regime da tributação do rendimento, que se segue à já concretizada substituição do imposto de transacções pelo imposto sobre o valor acrescentado no plano da fiscalidade indirecta, decorre, em primeira linha, da necessidade de ajustar tal regime ao preceituado nesta matéria na lei fundamental, a qual refere o carácter único e progressivo do imposto sobre o rendimento pessoal e impõe a consideração das necessidades e rendimentos do agregado familiar, além de basear a tributação das empresas no seu rendimento real.

Dentro do quadro assim definido, propõe-se que, em substituição do imposto profissional, da contribuição predial, da contribuição industrial, do imposto sobre a indústria agrícola, do imposto de capitais, do imposto complementar e do imposto de mais-valias, sejam criados o imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS) e o imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC).

A inovação básica reside na substituição do actual sistema misto com preponderância dos elementos cedulares pela fórmula da tributação unitária, atingindo globalmente os rendimentos individuais.

À luz das modernas exigências de equidade a solução unitária é inequivocamente superior, quer ao puro sistema cedular, consistindo em impostos separados, e entre si não articulados, incidentes sobre as diferentes fontes de rendimento, quer ao próprio sistema compósito, resultante, em regra, de uma evolução operada a partir de uma estrutura originariamente cedular, em que a um esquema de impostos parcelares se sobrepõe uma tributação de segundo grau com carácter global.

Na verdade, só a perspectiva unitária permite a distribuição da carga fiscal segundo um eaquema racional de progressividade, em consonância com a capacidade contributiva.