1 DE ABRIL DE 1987
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Tal esquema de progressividade tem sido justificado em nome da necessidade de, por via do sistema fiscal, se corrigir a distribuição primária do rendimento que decorre do processo produtivo, em termos de se operar uma redistribuição secundária que concorra para definir um padrão de distribuição tido como social e politicamente mais aceitável. Serve, ao mesmo tempo, de factor compensador de aspectos de regressividade contidos em outras áreas do sistema fiscal.
Se é certo que a tomada de consciência dos efeitos de desincentivo das elevadas cargas fiscais associadas aos esquemas de tributação progressiva tem suscitado, em numerosos países, um movimento no sentido da inflexão da curva ascencional das taxas e da redução do nível da taxa marginal mais alta, não é menos certo que o princípio da tributação com intensidade crescente à medida que o rendimento se eleva continua a constituir o critério geralmente aceite de ajustamento da carga fiscal à capacidade contributiva.
A introdução da progressividade em estruturas cedulares representa uma tentativa de pessoalização que acarreta inevitáveis e sérias distorções.
Materializada apenas em uma das cédulas, suscita cargas fiscais diferentes para contribuintes com rendimento idêntico, consoante a respectiva fonte se concentre nessa cédula ou se localize em qualquer das demais; operada uma correcção por via da generalização de tabelas ou taxas progressivas às diferentes cédulas ( a admitir que tal fosse tecnicamente possível), ainda assim subsistiria uma injustificável diferença de tratamento entre os contribuintes cujo rendimento provém de uma só fonte e os titulares de rendimentos de origem múltipla.
Assim, a introdução de uma escala progressiva no imposto profissional, modificando a sua estrutura originária, pode ser apresentada como exemplo do efeito distorcivo referido em primeiro lugar. A verdade é que os impostos cedulares, por sua natureza, estão vocacionados para taxas proporcionais, sem embargo de permitirem, pela adopção de taxas diferentes, consoante as fontes de rendimento atingidas, uma clara discriminação qualitativa dos rendimentos.
As deduções personalizantes, que os modernos sistemas fiscais consagram em medida mais ou menos ampla, desde a dedução pessoal correspondente à porção do rendimento que se presume destinar-se a satisfazer as necessidades básicas da. vida à dedução dos dependentes e às deduções por despesas pessoais especificadas, também não podem ser inseridas em impostos cedulares sem suscitarem graves distorções. Na verdade, só fazem sentido quando referidas ao rendimento total do contribuinte, porque constituem elemento inseparável da caracterização da sua situação global.
Mesmo nos sistemas de tributação global do rendimento persiste o tratamento diferenciado dos diferentes tipos de rendimento pessoal. Não pode, na verdade, dispensar-se, como operação prévia, a análise ou identificação dos rendimentos segundo as suas diferentes origens; só depois se procede à síntese dos rendimentos das várias categorias, sujeitando o seu valor agregado a uma única tabela de taxas.
O imposto global ou «único» comporta, assim, em maior ou menor medida, elementos analíticos que, na óptica da passagem dos sistemas cedulares para o do imposto «único», constituem reminiscências do tratamento separado, que no anterior sistema se fazia em cédulas diferenciadas até final.
Torna-se, assim, possível, sem prejuízo do carácter globalizante da tributação, manter acentuadas características analíticas, que vão desde a discriminação qualitativa dos rendimentos por intermédio de deduções específicas em determi-
nada categoria até à consagração da retenção na fonte apenas nas categorias em que este método se mostrou tecnicamente possível.
4 — Linhas de orientação: alargamento da base, moderação das taxas, estabilidade do nível das receitas
Sem embargo da observância dos preceitos constitucionais relativos ao sistema fiscal, e em particular do imperativo de equidade deles decorrentes, o esforço de reestruturação da tributação do rendimento deverá nortear-se por preocupações de eficiência, de simplicidade de estabilidade das categorias fiscais a instituir, preocupações que constituem, aliás, uma nota convergente dos esforços reformistas nesta matéria, a que tão grande importância se vem dando nas democracias industriais do nosso tempo.
A moderação das taxas conjugada com o alargamento das bases da tributação — já concretizado em parte através da generalização aos servidores do Estado da situação de contribuintes comuns e da reposição em vigor da tributação dos lucros da exploração agrícola — constituem propostas centrais da reforma da tributação do rendimento.
Os imperativos de eficiência económica, justificados quer no plano do mercado interno, quer no da inserção da economia portuguesa no contexto da abertura à competição internacional, aconselham a fixação de taxas marginais em níveis relativamente moderados.
Anote-se que a tendência para o abrandamento da progressividade das escalas de taxas nominais do imposto sobre o rendimento é, hoje, mundial.
Dos meados dos anos setenta para cá a taxa marginal mais elevada desta categoria fiscal foi reduzida em grande número de países. Já na presente década observaram-se medidas de redução dos níveis das taxas nos Estados Unidos, na Irlanda, no Japão, na Nova Zelândia, no Reino Unido e na Suécia, e recentemente foram propostas soluções do mesmo tipo na Dinamarca, na Holanda e na Noruega.
A adopção de uma escala de taxas do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, caracterizada por uma progressividade relativamente branda (quando comparada com a que marcou o imposto pessoal de sobreposição no final dos anos setenta e princípos dos anos oitenta, vai ao encontro da preocupação de contrariar, quanto possível, o efeito negativo do imposto sobre o esforço de trabalho e a competitividade e a incitação ao desenvolvimento da economia subterrânea.
A solução proposta não ignora, porém, a finalidade redistributiva do sistema de tributação do rendimento, e daí que o leque de taxas deva assegurar com nitidez o critério da tributação progressiva.
O objectivo da simplificação recomenda que se adopte um número reduzido de escalões na tabela de taxas do IRS, além de se afastar o método actualmente seguido no domínio do imposto complementar de adopção de tabelas diferentes consoante a situação familiar dos contribuintes.
A norma de equidade inerente à natureza da própria tributação global, em um só grau, do rendimento individual implicará que deixem de ser tributados alguns dos estratos de rendimentos mais baixos, hoje separadamente apurados nos impostos parcelares, ao mesmo tempo que o objectivo de desagravar a situação fiscal, do agregado familiar conduz a aconselhar um regime de tributação que atenue o efeito da cumulação dos rendimentos em sistema de taxas progressivas.