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II SÉRIE-A — NÚMERO 33

que assim é integralmente retomado, sem prejuízo da abertura, desde sempre manifestada, aos contributos úteis que possa merecer.

O artigo 35.° da Constituição define um conjunto de princípios fundamentais sobre a defesa dos direitos do homem perante a utilização da informática, que o progresso técnico vai intensificando. Até agora nenhuma regulamentação de ordem geral foi elaborada para dar cumprimento efectivo a este dispositivo nem se deu seguimento a uma resolução do Conselho de Ministros nesse sentido tomada em 1979.

A necessidade de pôr em acção formas genéricas de utilização da informática — como o número fiscal— obriga a reflectir sobre os perigos que desta inacção podem derivar para os direitos do homem. É claro que a defesa dos direitos do homem não justifica nem a protecção de situações de evasão ou fraude fiscal — que decorreria da infundada e precipitada declaração de inconstitucionalidade de algumas utilizações normais e legitimas da informática, como é o caso do número de contribuinte — nem o funcionamento da Administração Pública e das empresas em termos perfeitamente retrógrados perante as modernas possibilidades da tecnologia e da organização social.

Julga-se mais importante, revendo agora profundamente uma iniciativa de que na anterior legislatura fomos subscritores —o projecto de lei n.° 214/1 —, estabelecer um regime geral de garantia dos direitos do homem, em especial da intimidade e da privacidade pessoal, perante os ficheiros nominativos informáticos e as amplas e perigosas possibilidades da sua exploração.

Neste sentido se aproveita ò disposto em diversas fontes legislativas de países democráticos, designadamente a Lei francesa n.° 78/17, de 6 de Janeiro de 1978, o projecto de lei belga sobre o regime dos bancos de dados, a lei federal sobre a protecção de dados da República Federal da Alemanha e a lei sobre a protecção de dados do estado do Hesse.

No seguimento do dispositivo constitucional, estabelece-se um regime rigoroso do direito de acesso e ratificação dos interessados aos ficheiros informáticos nominativos, a garantia do seu estabelecimento e da recolha e tratamento de informação, garantida por órgãos independentes e isentos, e um conjunto de outros direitos essenciais do cidadão face ao progresso crescente da informática.

3 — 0 projecto em questão viria a ser aprovado na generalidade em 25 de Março de 1984.

Mas, seis anos decorridos, não há ainda lei sobre a matéria e torna-se necessário renovar ou apresentar novas iniciativas legislativas.

Os problemas essenciais persistem.

Tal como os definiu o deputado Magalhães Mota na intervenção então efectuada:

Em primeiro lugar, o problema do acesso por terceiros.

Há mais de 10 anos, Jean Xavier Scieller citava — in «Les protections techniques», Vinformatique, Abril de 1971— o presidente da IBM, Thomas Watson: «Nenhum construtor pode colocar um banco de dados ao abrigo da corrupção humana.»

E Scieller analisava as razões pelas quais nem a cifra, nem a vigilância, nem o controlo de acesso por palavras senha poderiam representar barreiras definitivas contra a violação de um ordenador.

Tudo o que um espírito humano faz pode por outro ser desfeito.

A verdade é que o acesso, mesmo fraudulento, aos dados não deixa rasto.

E para os teóricos do serviço de informações não é um risco desprezível, em termos de segurança, o transporte de alguns discos —isto é, o equivalente a milhões de fichas — para outro país.

Mas esta questão não esgota o problema. Não é isento de riscos o próprio acesso aos dados pelos funcionários ou outras pessoas, por mais íntegras que sejam, a quem tal acesso é permitido.

Há um conjunto de cidadãos que, sem controlo, deterão nas suas mãos um poder de importância antes desconhecida. Isto é, poderão existir «donos da sombra», que, estando ao abrigo do poder político, podem servir-se das «suas» informações para . influenciar a política.

Não estou, obviamente, a citar um risco imaginado. Mas a pensar que o Herald Tribune, de 27 de Fevereiro de 1974, denunciava o modo «subtil, mas eficaz», como Edgar Hoover evitava criticas ao FBI «revelando» a membros do Congresso a possibilidade de fugas de dados dos dossiers que sobre eles e suas famílias havia organizado.

E se for o próprio poder político a usar informações?

A possibilidade de acesso aos dados pelos próprios cidadãos aparece assim como garantia indispensável.

Acrescentando ainda aquele então deputado:

[...] Pela rigorosa delimitação do que separa as informações que não podem figurar num banco de dados passa o entendimento que viermos a consagrar não apenas ao que é a vida privada num mundo como o nosso, mas algo mais importante que isso.

Nos Estados Unidos, punha-se em causa o puritanismo jacobino que impediria Luís XIV, com os seus dentes estragados e as suas amantes, do acesso ao Poder.

Não é apenas isso. Nem os riscos são apenas alguns, não tendo os «vulgares cidadãos» nada a temer.

O que está em causa é a liberdade.

Perante o inquisidor que sabe tudo, a liberdade de nos defendermos termina.

A mesma sociedade que proíbe as mutilações como forma de obter confissões procura-as amputando aos homens o direito aos seus segredos e mistério.

Confrontado com um dossier completo, não se pode responder a não ser o sim ou o não. Ou seja: o ordenador só admite a resposta em termos de ordenador.

É a escolha, própria de homens livres, que termina, porque apenas resta repetir o programa assinalado. No emprego ou nas deslocações.

Um poder que tudo saiba pode, além do mais, levar à autocensura, que é a pedra tumular da liberdade.