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II SÉRIE-A - NÚMERO 39

nação nacional, no quadro da crescente internacionalização dos processos e da prevalência dos interesses dominantes.

Importa sublinhar, porém, a par de todos os indicadores quantitativos e qualitativos que atestam o atraso científico e tecnológico do País, dois outros factos.

Por um lado, o fosso que nos separa não só do nível dos países e regiões mais desenvolvidos, mas, inclusive, de outros países, entre os quais os do Extremo Oriente, vulgarmente designados por novos países industrializados, tem vindo a acentuar-se mais, aumentando objectivamente os factores de dependência científica e tecnológica.

Por outro lado, a falta de uma política científica que tenha devidamente em conta os interesses nacionais, associada à orientação neoliberal do Governo, tem colocado o País numa situação particularmente desfavorável no terreno cada vez mais importante da cooperação internacional e indefeso face a mecanismos de domínio e controlo económico e político da I&DE por parte dos principais países industrializados e das multinacionais.

Além do baixíssimo nível de recursos disponibilizados para a investigação científica e tecnológica, o facto de o Governo pretender decidir cada vez mais só por si, através de um processo fundamentalmente administrativo e sem uma real audição e participação das instituições e da comunidade científica, sobre as actividades científicas e tecnológicas e as instituições a financiar ou não, está a ter também consequências muito negativas.

É o estrangulamento financeiro dos laboratórios e institutos do Estado (com cortes orçamentais que estão a pôr em causa a continuidade da sua própria actividade) e restrições orçamentais às instituições do ensino superior que em absoluto as impedem do livre exercício da investigação e da inovação cultural. E as pressões cada vez maiores que o Governo exerce para que as unidades de investigação desenvolvam a prestação de serviços e a investigação sob contrato como forma de sobrevivência, mesmo quando isso implica a distanciação em relação às realidades e necessidades do País e a perda de autonomia para a prossecução dos seus próprios objectivos.

As questões do financiamento da I&DE estão colocadas hoje no centro dos problemas, dos critérios e das decisões que afectam o sistema científico e tecnológico nacional e a actividade de todas as instituições, cientistas e investigadores.

O Ciência, quer pela forma como foi elaborado, que excluiu a participação e o debate no seio das instituições científicas, quer pelo modelo de desenvolvimento científico e as prioridades controversas que adoptou, que não reflectem as realidades e necessidades do País nem respeitam a própria dinâmica da criação científica e tecnológica, quer ainda pela forma atribulada como têm sido elaborados os regulamentos relativos a concursos em áreas prioritárias e a experiência dos concursos abertos em áreas não prioritárias, tem suscitado um justificado e generalizado descontentamento e protesto no seio da comunidade científica.

A completa exclusão do programa Ciência de certas áreas científicas, com realce e escândalo para as ciências sociais e humanas, constitui um ilustrativo exemplo da orientação que foi oficialmente seguida.

Excessivamente restritivo no seu acesso, no que toca à grande dimensão dos investimentos e das equipas a que se destina, âmbito científico e natureza das rubri-

cas elegíveis, o Ciência não só promove a constituição de consórcios, sem história nem provas dadas, portanto sem garantia de cooperação futura depois dos investimentos estarem concluídos, como veda o acesso directo ao apoio a pequenos grupos de mérito que trabalham sobretudo a nível das instituições do ensino superior.

A vigência extremamente curta e os objectivos essencialmente estruturantes do Ciência, com exclusão, portanto, do financiamento de projectos de l&DE e de despesas de financiamento, desencadeia situações muito contraditórias.

As afirmações governamentais de que objectivos financiados pelo Ciência serão complementados por outros instrumentos financiadores, caem inteiramente por terra quando se analisa o Orçamento do Estado para 1991 para a Ciência e Tecnologia.

A estimativa de evolução da I&DE nacional entre 1990 e 1991 apresenta, de facto, um crescimento de 16%, valor que é de qualquer forma baixo atendendo ao atraso do nosso sistema científico e tecnológico.

Mas se se descontarem os fundos afectos ao Ciência, o crescimento em termos reais (a preços constantes) é nulo.

E isso afinal que explica que entre 1990 e 1991 o financiamento por fundos públicos dos organismos de I&DE do Estado se apresente estagnado ou retroceda mesmo em termos reais e que o programa mobilizador de C&T, lançado em 1987, seja substituído em 1991 por um conjunto de programas cuja dotação global será apenas cerca de metade da que foi a do programa mobilizador.

Importa assinalar também que sendo a formação de cientistas e teenólogos outro dos grandes objectivos do Ciência, esse objectivo aparece desligado do financiamento das infra-estruturas.

É assim legítima a suspeita que o pomposo propósito de «encerrar o primeiro ciclo de formação de recursos científicos quase exclusivamente orientado para as universidades e os laboratórios», corporizado no objectivo do Ciência de formar 2600 novos investigadores e técnicos com formação avançada e sem vínculo ao Estado, signifique, afinal, que o Governo ou não tem qualquer ideia quanto ao aproveitamento de tal potencial ou não assume qualquer compromisso nem cria quaisquer condições que assegurem o futuro profissional desses elementos.

Estas questões são particularmente graves, uma vez que a afectação de recursos ao programa Ciência vem sendo acompanhada pela redução drástica das actividades iniciadas com o programa mobilizador de C&T e pela redução das dotações para assegurar o funcionamento dos organismos de I&DE do Estado.

O programa Ciência arrisca-se assim a estar a construir um «elefante branco» em meios humanos e materiais sobre «terra queimada».

Também não se compreende de que forma pode ser realizado o objectivo proclamado no Ciência de correcção das assimetrias regionais nas actividades de I&DE, quando as exigências relativamente à dimensão dos projectos e a ausência de claros e corajosos vectores de descentralização em absoluto negam tal propósito.

As críticas ao Ciência não significam que se defenda a paralisação do programa, mas sim que se assuma corajosamente a sua correcção, com a eventual (e sempre possível) renegociação com a Comunidade Europeia, e se alterem a orientação e metodologia seguidas pelo Governo e pela estrutura burocrática em que este se apoia.