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15 DE JANEIRO DE 1992

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todo, estranha a eminência da publicação de um código de procedimento administrativo. Ora este código veio, e bem, ao consagrar o princípio da Administração aberta, fazer remissão para diploma autónomo do tratamento da matéria respeitante ao acesso aos registos e arquivos administrativos.

O projecto de lei que agora se apresenta, como solução normativa mediadora do texto constitucional, procura incorporar a reflexão disponível sobre este domínio, já ensaiada entre nós, e reter as soluções legais do direito comparado, encaminhando-se ou aproximando-se das soluções testadas em organizações administrativas cuja filosofia e modelo genético esteja próximo do nosso. Destas destaca-se a experiência francesa, ensaiada a partir da Lei de 17 de Julho de 1978, que constitui, pela proximidade institucional do modelo centralizado de administração, uma referência privilegiada a reter nas soluções a adoptar.

4 — A transparência administrativa representa não só uma exigência de controlo da Administração, mas ainda um instrumento de diálogo, que permite ao cidadão o exercício adequado do direito de crítica e de contestação e implica um processo de alterações estruturais e uma mudança nas mentalidades, na formação e nas rotinas dos agentes do serviço público.

A liberdade de acesso aos documentos e registos administrativos compreende o direito à informação sobre o conteúdo dos documentos e a possibilidade da sua reprodução material; um autêntico direito de «resposta», que se consubstancia no direito de correcção das informações inexactas e no suprimento de omissões, e um direito à «publicidade» dos documentos produzidos pela Administração ou, no mínimo, referência à sua existência.

Para o exercício deste direito é relativamente irrelevante o lugar do seu exercício, mas já não a qualidade do emissor do documento, a qual define a natureza de documento administrativo; o ter sido produzido pela administração do Estado, das Regiões Autónomas, das autarquias, de um instituto público, empresa pública, pessoas colectivas de direito público e pessoas de direito privado que exerçam poderes públicos.

Também a qualidade do cidadão requerente é decisiva para a amplitude do seu direito. A regra geral é a do acesso livre de todos, sem necessidade de fundamentação, aos documentos não nominativos, enquanto os documentos «personalizados» só são acessíveis ao próprio ou, excepcionalmente, a terceiros a quem o documento respeite e após apreciação prévia do seu interesse directo, pessoal e legítimo.

O acesso aos documentos e registos não colide com a chamada «reserva da intimidade administrativa» no que respeita aos processos e momentos preparatórios de elaboração de uma decisão. Não sendo abrangido o acesso às notas, dados, esboços e apontamentos pessoais, é garantida a possibilidade de aceder aos documentos preparatórios de uma decisão a partir do momento em que tem lugar a referida decisão.

O exercício do direito de acesso está subordinado à apresentação de um pedido de acesso escrito, o qual deve ser suficientemente preciso e referenciar-se a documentos existentes.

A recusa de acesso aos documentos só pode verificar--se se a classificação do documento a autorizar, em função da sua natureza. A Administração deverá, em qualquer circunstância, informar o requerente sobre as

razões fundamentadas da recusa ou se o documento não se encontra na sua posse. Os prazos que são dados à Administração para responder ao pedido são um prazo máximo de 30 dias para informar do acesso ou recusa do acesso, um prazo de 30 dias à Comissão de Acesso aos Documentos e Registos Administrativos (CADRA) para se pronunciar sobre o pedido formulado e um prazo de 30 dias para a Administração se pronunciar sobre o parecer da CADRA e declarar se o segue ou não. Findo este prazo e estas três fases de um mês cada uma, há lugar a recurso administrativo contencioso.

Os deveres da Administração no âmbito da lei do processo administrativo continuam a manter-se, sendo, por sua vez, objecto de legislação própria as matérias respeitantes ao acesso ao registo civil, comercial e predial, aos arquivos históricos e ainda ao tratamento automatizado de dados com o recurso à informática.

5 — A CADRA tem, neste quadro, um particular papel institucional, sendo simultaneamente um órgão de aconselhamento e de reflexão. Cabe-lhe zelar pelo cumprimento das disposições legais, apreciando as queixas sobre recusas ou dificuldades no acesso, a não rectificação de dados, a utilização de informações inexactas, o acesso de terceiros a documentos normativos, dar parecer obrigatório na classificação de documentos, pronunciar-se sobre soluções legislativas e regulamentares necessárias ao acesso e elaborar um relatório que dê conta da actividade administrativa e suscite o necessário debate público.

A CADRA é presidida por um magistrado a designar pelo Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e integra, em partes iguais, membros designados pela Assembleia da República e pelo Governo, dois elementos designados pela Associação Nacional de Municípios e dois pelas confederações sindicais, após prévia consulta às associações da função pública.

A função da CADRA e a sua composição projectam--na como entidade pública independente, capaz de estabelecer uma acção diversa do modelo jurisdicional ou administrativo, de recurso à norma ou à decisão, isto é, propondo-se a recomendação ou a opinião esclarecida.

Este diploma, ao consagrar a transparência como regra e o segredo como excepção, remete para uma nova filosofia da acção administrativa e para uma reestruturação desburocratizadora. Ao seu nível, este projecto de lei pretende contribuir para a emergência de uma administração pública desburocratizada, aproximando os serviços das populações e contribuindo para a participação dos cidadãos.

CAPÍTULO I Princípios gerais

Artigo 1.° Âmbito da lei

A presente lei define as condições do exercício do direito de acesso à documentação administrativa e do dever de transparência da Administração Pública.