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II SÉRIE-A —NÚMERO 34

PROJECTO DE LE! N.9 71/VI

REFORÇO DAS GARANTIAS E DIREITOS DOS CIDADÃOS PERANTE A ADMINISTRAÇÃO A NÍVEL CENTRAL, REGIONAL E LOCAL.

Relatório da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias

O projecto de lei n." 71/VI, visando o «retorço das garantias e direitos dos cidadãos perante a Administração a nível nacional, regional e local», é a reposição do projecto de lei n." 703/V, aprovado, na generalidade, na reunião plenária de 19 de Março de 1991 e caducado em face do decurso da legislatura anterior.

Trata-se de um texto em que os autores reúnem o tratamento de lemas extremamente diversos, interessando aos cidadãos no seu relacionamento com a Administração Pública e com empresas públicas e privadas fornecedoras de serviços e produtos de consumo corrente, e cujo fio agregador pareceria ser, essencialmente, a preocupação de encontrar soluções que melhorassem o atendimento das pessoas, não fossem algumas normas, dentro desta grande miscelânea de matérias, que claramente fogem a esse escopo.

Assim:

O artigo 1.° define o âmbito de aplicação da futura lei;

O artigo 2." refere-se ao princípio do «arquivo abetto»;

Os artigos 3.° e 14." reportam-se à protecção dos

consumidores; Os artigos 4.° a 8.° e 13.° pretendem melhorar o

atendimento dos cidadãos pela Adminisuação ou

a compensá-lo financeiramente por atrasos

irregulares;

Os artigos 9.° e 12." regulam o fornecimento de serviços e bens essenciais por pane das empresas;

O artigo 15.° cria a figura do «provedor municipal»;

O artigo 16." estipula o «direito de petição aos órgãos autárquicos»;

O artigo 17." reporta-se à «acção popultir paia as consultas locais»; e finalmente

O artigo 18.° lixa os prazos para a produção e entrada em vigor dos regulamentos concretizadores da aplicação das diferentes disposições legais;

ou seja, ao longo do articulado, o projecto pretende, na linguagem dos seus autores, que se consagre o dever «de designação do assistente do processo», o dever «de fornecer minutas e formulai tos» e «de disponibilidade permancnle de atendimento, inclusive aüavés de linhas telefónicas abertas», a existência de um «livro de regislo de sugestões e reclamações», com «obrigatoriedade de resposta», o envio de «aviso prévio quer das deslocações à residência quer das interrupções dos fornecimentos», o «apoio social àqueles que se vejam impossibilitados de cuslear os fornecimentos de bens e serviços essenciais», a «aplicação da legislação de defesa do consumidor ao fornecimento de bens e prestação de serviços por parle das entidades públicas e concessionárias», a «existência de um provedor municipal», o direito de petição perante os órgãos do poder local e «a iniciativa dos cidadãos parti a realização de consultas diiecias ao nível local».

Cumpre-nos apreciar as diferentes matérias tratadas e as soluções apontadas, em face quer dos objectivos que as motivam, quer da realidade jurídica e fáctica referente à.s instituições a que se pretendem dirigir

I —O princípio da administração aberta 1 — A evolução recente na consagração do princípio

A ideia de que a Administração se deve abrir e ser mais transparente é hoje comum a todos os partidos políticos, em democracia e ein qualquer parte do mundo. Os diferentes partidos vêm criticando obrigatoriamente a burocracia, nas suas campanhas eleitorais. Mas nem sempre o discurso sobre a transparência adminisuativa é função das ideologias. Por vezes, como todo o discurso político, ele pode não passar, na linguagem de J. Schumpeter, in Capitalismo, Socialismo e Democracia (Payot, 1972, p. 210), de um subproduto da concorrência entre as «empresas políticas», visando a manutenção ou a conquista de posições de poder, sendo determinado sobretudo pela dinâmica da constiução da imagem eleitoral, exigida pelas relações de força com os adversários. Daí que, da afirmação à aplicação, os novos princípios se vão impondo lentamente.

Cm França, onde os novos princípios, apesar de não terem assento constitucional, foram consagrados com grande amplitude e têm sido aplicados com grande êxito, J. Dominad, Secretário de Estado Adjunto do então Priineiro-Minislro, durante os debates da iniciativa legislativa do Parlamento, não deixava calar o receio do Governo, afirmando que «uma muilo grande uansparência paralisará completamente o funcionamento da administração, convulsionará o bom funcionamento administrativo», seguindo, assim, na esteira de G. Dalandier, que vaticinava que a adminisuação iria submergir «pelo flagelo dos pedidos», perdendo «a eficácia, numa época em que esta é o seu objectivo maior», e de Óscar Alzaga Villamil, na sua «Constituição Espanhola de 1978», em que o então deputado da UCD, hoje político da AP, manifestava reservas sobre a constitucionalização (embora apenas em lermos programáticos) do princípio que poderia «prestarse a bichas intermináveis de curiosos desocupados», e, «o que é muito grave, a introduzir as luías políticas e ns manobras partidárias nos gabinetes de trabalho dos diversos organismos da nossa Adminisuação Pública».

Em Portugal, a questão da consagração e aplicação deste princípio não se coloca, pois o princípio da administração abena não depende do legislador ordinário. Ele está consagrado na própria Constituição e é úirccuunenie aplicável.

No entanto, aqui como em quase todo o mundo, s\a aceitação é fruto de uma evolução recente.

Apesar do artigo 5." da Declaração dos Direiíos do Moinem de 26 de Agosto de 1789, declaração solene de que só a Suécia foi precursora em 1766, o princípio não se viu transcrito no direito positivo dos Estados, lendo o segredo sido uma constante da acção adminisuativa ao longo dos séculos.

O segredo, regra de ouro do antigo regime, resistiu durante o século xix aos princípios da nova ordem revolucionária e manteve-se mesmo nos lexios legais uo século xx, qual arcana regni. como se ele não fosse de uma total incompatibilidade com os princípios e as necessidades das democracias modernas, que implica/n, a democracia administrativa, uma vez que enquanto, por um lado, a acção do Estado se vai estendendo a todos os