29 DE ABRIL DE 1992
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sectores da vida ein sociedade, por outro,' a crença democrática no papel fiscalizador dos parlamentos esbarrou, sem superação possível, nas barreiras crescentes dos limites dos mecanismos democráticos institucionais.
Os modelos administrativos clássicos, desde o liberal ao weberiano e ao marxista, concebendo a administração como uma organização unida, centralizada e hierarquizada, simultaneamente instrumento do poder político e de dominação, implicam a defesa naiural da manutenção dos administrados a distância.
E é isto que está em causa por toda a parte, na situação actual, em que as ideias de participação, democracia e transparência se impõem. Os novos tempos vieram questionar o tradicional hermetismo administrativo resultante de uma invocada necessidade de opacidade da técnica organizativa da Administração. Esia evolução é bem patente na Recomendação n." 854 da Assembleia do Conselho da Europa, de 1 de Fevereiro de 1979, e na Recomendação do seu Comitê de Ministros n." R (81) 19, de 25 de Novembro de 1981.
Num momento em que a agenda da vida pública se centra na participação dos cidadãos, na fiscalização da actividade dos funcionários públicos, no exercício dos direitos, liberdades e garantias, a informação adequada tem de ser disponibilizada, o que implica que a regra seja a publicidade e o segredo a excepção.
Como já dizia o actual Presidente da Assembleia da República, em artigo publicado em 1981, no Bolelim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, aliás num contexto constitucional diferente, «o funcionamento eficaz da administração exigirá sempre, em dados domínios ou em dados momentos, uma dada reserva de intimidade administrativa, compelindo ao legislador ordinário definir os limites entre o sigilo e a publicidade dos arquivos da Administração e estabelecendo as regras de competência e de responsabilidade necessárias á sua boa aplicação».
2 — A experiência sueca
A experiência sueca merece uma referência destacada não só pelo carácter pioneiro, mas porque, comprovadamente, leve uma influência decisiva no sistema de valores desta sociedade nórdica.
A Constituição Sueca estipula que todo o cidadão beneficia, nas suas relações com a Administração Pública, do direito â informação, tendo sido a lei sobre a liberdade de imprensa que concretizou este direito ao dispor que, «para encorajar a livre uoca de opiniões e desenvolver a informação do público, lodo o cidadão sueco lem acesso Vivre aos documentos oficiais».
Ao mesmo tempo que se instaurou a liberdade de itn-çpinsa, sublinhou-se que a liberdade de informação era necessária para divulgar as imperfeições jurídicas e impedir todo o abuso de poder pelos funcionários, para suprimir a «rede perniciosa do segredo, aliás da qual o interesse pessoal ou a ilegalidade podem jogar um papel abominável à custa do cidadão».
Na Lei de 1766 sobre a liberdade de imprensa impôs-se que os documentos oficiais «fossem comunicados imediatamente a qualquer pessoa que os pedisse», podendo «qualquer cidadão recopiar os documentos existentes ou obter cópias-autenticadas».
Estes dispositivos têm vigorado desde o século xviu, mantendo-se na actuai lei de imprensa de 1949.
O princípio da publicidade dos documentos apoia-se nos ideias do controlo da burocracia e do governo justo, como
meio de garantir a imparcialidade da Administração. Se a actividade dos órgãos públicos diz respeito a todos os cidadãos, enlâo impõe-se que, numa sociedade democrática, as autoridades informem amplamente os cidadãos dessas actividades.
Esia regra da publicidade implica que o acesso aos documentos respeitantes às actividades públicas seja aberta não só aos meios de comunicação social como em geral aos cidadãos, para que estes possam escolher livremente as informações que pretendem, nos diferentes domínios, independentemente das informações que as autoridades decidam, por si, comunicarem. Importa realçar que este princípio da liberdade de acesso às informações referentes aos assuntos públicos, vigorando desde há dois séculos, não só marcou toda a Administração Pública, como influenciou a mentalidade geral e o sistema de valores da sociedade. Com efeito, o facto de se saber que existe um controlo do público não só «incita as auloridades a actuar com prudência e circunspecção», como «levou que os rumores e as alegações infundadas de abuso de poder não acolhessem crença junto do público».
3 — A lei rundamculal portuguesa
Em Portugal, foi a Lei Constitucional n.° 1/89, de 8 de Julho, que introduziu, no lexto da lei fundamental, este reforço importante dos direitos dos administrados no domínio do acesso à documentação.
Quanto aos processos em andamento e às resoluções definitivas sobre eles (n.° 1 do artigo 268."), em que um dado cidadão esteja directamente interessado, este, que já usufruía anteriormente à última revisão constitucional de um direito à informação, vê agora o legislador ordinário ser obrigado a lixar o prazo máximo a conceder à Administração para dar resposta ao pedido efectuado.
Quanto aos outros documentos, ou seja, aos arquivos e registos na posse da Administração (e dentro das regras a definir quanto a documenios referentes à segurança interna e externa, investigação criminal e à intimidade das pessoas, em que a lei pode modular uma menor abertura, no estrito limite necessário à protecção dos interesses geral ou privado ligados a esses domínios), qualquer cidadão tem direito a aceder a eles, também em prazo a lixar pelo legislador ordinário.
O direito de acesso à documentação administrativa é assim um direito fundamental com dignidade constitucional. A Constituição da República Portuguesa não se limitou, como a Espanhola, a criar uma norma programática, que não impõe ao Estado uma verdadeira obrigação nem aos cidadãos verdadeiros direitos; não criou um direito fundamental cujo exercício esteja condicionado à intervenção do legislador ordinário, num sentido concretizador.
Trata-se de um direito aplicável directamente por força da Constituição, apesar de não vir anunciado no título a da parle ida Constituição da República Portuguesa, referente aos direitos, liberdades e garantias. Trata-se de um direito de natureza análoga, exigindo a Constituição do legislador ordinário apenas que lhe lixe o prazo máximo de resposta (n."6 do artigo 268").
No dizer de L. Dmibant, no seu livro Droit d'accès et droil ¿1 iinformaiion (Mélanges Chaiiier, 1981, p. 703), estamos cm face da 3.° geração dos direitos do homem.
A nossa Constituição repudia, pois, a üadicional concepção da administração fechada distante e autocrática, modelo burocrático característico de uma organização