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II SÉRIE - A — NÚMERO 44

Aliás, de passagem se diga que dificilmente se aceitaria entre nós que imposições do tipo das descritas fossem aplicadas por autoridade administrativa — por exemplo, o governador civil ou o presidente da câmara — sem determinadas garantias que só a função judiciária é susceptível de assegurar constitucionalmente.

Nos países em que o consumo de algumas drogas não é punível criminalmente — baseados filosoficamente na não punição da auto-ofensa, na soberania do indivíduo sobre o seu corpo e espírito — a não punição é logicamente estendida à posse de droga para consumo, havendo a necessidade prática de limitar a não punição à posse de pequenas quantidades.

A posição mais dissonante do resto da Europa é a da Holanda, onde o consumo de droga na prática nao é proibido.

Arrogando-se de uma solução pragmática, não emocional nem dogmática, o centro de gravidade da actuação pretende-se localizado na saúde do consumidor, acredilando-se mais no controlo social do que na eficácia da legislação. Alerta-se para que o uso desta, através da perseguição e da prisão, deve prejudicar menos o consumidor do que o uso da própria droga.

Na distribuição de prioridades, seguida pelas autoridades, a mais alta vai para a criminalidade grave, não sendo perseguidas as pessoas encontradas na posse de quantidades de cannabis inferiores a 30 g, o que redunda na venda consentida de pequenas quantidades em locais conhecidos. Estes estabelecimentos só serão encerrados quando ultrapassem certa margem de risco.

Tal estratégia permitirá uma vigilância mais intensa sobre a venda de grandes quantidades daquela droga e sobre a venda, publicidade ou encorajamento ao consumo de drogas mais perniciosas como a heroína e a cocaína.

A crítica de laxismo a esta postura começa hoje nos próprios países nórdicos, eles também já experimentados em posições mais brandas, que foram progressivamente abandonando.

Pode, porém, dizer-se que a generalidade dos países representados nas Nações Unidas receia que o invocado pragmatismo do tipo holandês, independentemente da sua eventual valia — que resta por demonstrar e convencer — abra brechas num combate cuja amplitude de danos na saúde, especialmente das camadas jovens, se perfila de uma gravidade tal, na conjuntura hoje vivida u.ue não haveria diques bastantes para o travar, conhecida que é a capacidade dos traficantes para explorar novas situações e mercados.

Neste sentido também caminha o Conselho da Europa — [cf. pontos 9, 10 e 17 de Recomendação n.° 1141 (1991), adoptada em 31 de Janeiro de 1991 pela Assembleia Parlamentar].

Sendo certo, por outro lado, que não podendo embora descurar-se a forte componente economicista do fenómeno, aparece como muito arriscada uma transição de estratégia que assente fundamentalmente nas regras da oferta/procura e suas consequências nos preços, ainda que mesclada de ingredientes que pudessem assegurar o controlo essencial do «mercado» por órgãos públicos. Principalmente se essa transição se desse por forma brusca.

Em suma, posto que muito longe do encerramento da discussão sobre tão controverso lema, não se vêem motivos para alteração na postura da legislação vigente quanto ao modo de intervenção do sistema jurídico-penal em matéria de consumo de droga.

A censurabilidade implícita nessa intervenção — aliás, reduzida ao mínimo — será o complemento de coerência

com a restante mensagem quer a nível de prevenção quer da própria relação terapêutica com o drogado, impregnada de um apelo constante ao seu sentido de responsabilidade na coesão de todo o restante tecido social a que irremediavelmente o seu destino o ligou.

Por conseguinte, o ditame fundamental das alterações introduzidas neste ponto dirigir-se-á ao amoldar da utensilagem jurídica no sentido de contribuir, no máximo da sua valência, para que o toxicodependente ou consumidor habitual se liberte da escravidão que o domina mediante os incentivos adequados do tratamento médico e da reabilitação que o tragam de volta para o cortejo da vida útil, se possível feliz, no seio da comunidade.

Para os consumidores ocasionais, acima de tudo deseja--se a sua etiquetagem, a não marginalização, enfim, que o seu semelhante o não empurre para becos sem saída ou que a saída acabe mesmo por ser a droga.

A escolha diversificada de alternativas, conforme os casos, a maleabilidade do sistema constituem a palavra de ordem, em colaboração estreita com as autoridades sanitárias.

Introduzido também entre nós o princípio da oportunidade no exercício da acção penal (agora através da suspensão provisória do processo, medida generalizada pelo novo Código de Processo Penal), não há sequer pertinência para a crítica de que afinal o consumo de droga, segundo o nosso sistema, não é punível naqueles casos em que o toxicodependente ou consumidor habitual se apresenta espontaneamente a tratamento ou é promovida, de acordo com o novo mecanismo, a sua sujeição a exame médico com vista a futuro tratamento.

Na verdade, responder-se-á que embora a lei continue a supor ilícita a sua conduta, ela mesma tem por «inoportuno» o exercício do procedimento em determinadas situações, antecipando, com evidentes vantagens, uma posição que pmvavehnenle viria a ser tomada ao abrigo daquele princípio.

Valerá a pena referir que, praticamente já depois de ultimados os trabalhos de preparação da presente proposta, se teve conhecimento da conclusão de um inquérito de viluni-zação, organizado no âmbito do Ministério da Justiça — sobre uma amostra de 10 198 inquiridos, maiores de 16 anos, do concelho de Lisboa e concelhos vizinhos, representativa de um universo populacional de 1 800 000 indivíduos —, no qual cerca de 67 % dos entrevistados defende a penalização das drogas leves. Por outro lado, 63 % dos inquiridos coloca o problema social da droga nos dois primeiros lugares das suas preocupações, antes da criminalidade, do desemprego, da in fiação, da falta de habitação e da deficiente assistência na doença.

8 — Para além da composição diversificada do grupo de trabalho que elaborou o estudo que fundamentou a presente proposta de lei — com representantes da Justiça, Saúde, Educação, Juventude, Finanças, Comércio e Turismo, Banco de Portugal, Polícia Judiciária — foram ouvidos representantes de pais e educadores, bem como a Ordem dos Médicos e outras personalidades.

Assim:

Nos termos da alínea cl) do n.° 1 do arügo 200.° da Constituição, o Governo apresenta à Assembleia da República a seguinte proposta de lei:

Artigo 1."

É concedida ao Governo autorização legislativa para rever a legislação de combate à droga, adaptando-a à