25 DE FEVEREIRO DE 1994
389
As instituições deverão colaborar com as estruturas de avaliação, fornecendo os elementos necessários e contribuindo para o financiamento do sistema de avaliação e acompanhamento, de acordo com as especificidades próprias.
Segundo a proposta de lei, a criação do sistema de avaliação não exclui a existência de outros sistemas de avaliação de iniciativa das próprias instituições do ensino superior. Prevê-se, assim, o dever de as instituições promoverem a auto-avaliação com a regularidade e o âmbito designados pelos órgãos próprios.
O Ministério da Educação aparece — entretanto, como colaborando com as estruturas de avaliação — prestando as informações e fornecendo os elementos necessários ao sistema de avaliação e acompanhamento.
Diz-se ainda na iniciativa legislativa que a avaliação da qualidade das iniciativas desenvolvidas pelas instituições de ensino superior será realizada por especialistas de reconhecido mérito, titulares do grau de doutor.
Quanto ao desenvolvimento normativo, o Governo estabelecerá, por decreto-lei, as regras necessárias à concretização do sistema — definindo tal diploma a natureza dos elementos a obter das instituições e a periodicidade do seu fornecimento, o processo de recolha dos elementos sobre os quais incide a avaliação, a metodologia, formas e fases da avaliação, os parâmetros e critérios a adoptar, o enquadramento orgânico, as formas de audição, a participação e a colaboração das instituições, o processo de designação dos avaliadores, o respectivo estatuto funcional e o regime de aplicação do sistema de avaliação a todo o ensino superior.
2 — Do que fica dito, temos que as iniciativas legislativas em causa se inserem na necessidade de cumprimento do disposto na Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei n.° 46/86, de 14 de Outubro), mais concretamente no já citado artigo 49.°, bem como do disposto nos artigos 32.° da Lei n.° 108/88, de 24 de Setembro (autonomia universitária), e 48.° da Lei n.° 54/ 90, de 5 de Setembro (estatuto e autonomia dos estabelecimentos de ensino superior politécnico).
Neste último caso, é de ter em especial atenção o n.° 2 do referido artigo 48.°, no qual se estipula que «deve ser expressamente criado um regime de avaliação das instituições do ensino superior politécnico que se encontrem em regime de instalação, por forma que sejam alcançados os objectivos previstos na presente lei, nomeadamente a passagem para o regime normal dos prazos previstos para o regime de instalação».
Estamos perante competência que as Leis n.05 108/88 e 54/90 reafirmam como devendo ser da Assembleia da República, por se entender que se trata de bases do sistema de eusino — que cabe na zona de exclusiva competência da Assembleia da República, nos termos do artigo 167.°, alínea i). da Constituição.
Como afirmam Vital Moreira e Gomes Canotilho: «Sintomaticamente, é o direito ao ensino o único dos direitos sociais contemplados na reserva legislativa absoluta da Assembleia da República relativa ao sistema de ensino, conceito que abrange todo o complexo de princípios e direitos constitucionais relativos ão ensino, desde a liberdade de ensino (artigo 43.°), passando pelo direito ao ensino (artigos 74.° e seguintes) e pelo estatuto das universidades (artigo 76.°), até aos direitos de participação no ensino (artigo 77°).
Todavia, a reserva só contempla as bases do sistema de ensino, havendo, portanto, uma margem mais ou menos
problemática na delimitação do âmbito de competência exclusiva da Assembleia da República (sendo óbvio, porém, que esta pode livremente esgotar o tratamento legislativo da matéria). Como bases do sistema de ensino hão-de considerar-se as opções fundamentais e a disciplina básica relativa a todos os aspectos apontados.» (Cf. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.05 38/84 e 42/84 e Constituição Anotada, 3.* ed., revista, Coimbra, 1993, p. 666.)
Trata-se, pois, de competência integrada na zona de reserva absoluta da Assembleia da República, o que obriga a especiais cuidados no processo da produção legislativa.
Com efeito, estamos perante a necessidade de garantir a qualidade do ensino superior, condição sine qua non para que se assegure a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, a que se refere o artigo 76.° da Constituição — que deverão «ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do País».
Por outro lado, os objectivos da qualidade e da democratização têm de se articular com a autonomia universitária, que envolve cinco aspectos constitucionais: o científico, o pedagógico, o administrativo e o financeiro (cf. J. J. Canotilho e V. Moreira, op. cit., pp. 372 a 374, e Marcelo Rebelo de Sousa, A Natureza Jurídica da Universidade, Lisboa, 1992).
3 — Visto o esboço histórico, que no caso vertente se confunde com o enquadramento legal, importa acrescentar o que já no início dos anos 70 o Prof. Adérito Sedas Nunes afirmava: «Na generalidade dos países onde vigora o modelo latino-europeu (e latino-americano) da universidade (modelo habitualmente designado de napoleónico), o lançamento de inovações profundas na actividade universitária tem-se revelado dificilmente praticável ou de efeitos muito circunscritos, no interior das instituições desde longa data fundadas.» Nesses países «as instituições universitárias não se auto-reformam. Podem, é verdade, pedir ou consentir alterações parciais, mas o conjunto permanece inalterado», nota judiciosamente o Prof. João Pedro Miller Guerra (A Situação Universitária Portuguesa, Lisboa, s. d., pp. 115-116). Ora, perante este diagnóstico, que, infelizmente, mantém actualidade 20 anos depois, torna-se essencial utilizar a avaliação da qualidade como factor não só de aperfeiçoamento do sistema mas também de reponderação global e de reforma, no sentido do lançamento de «inovações profundas da actividade universitária». Conhecendo melhor a realidade que temos, momento a momento, tornar-se-á mais fácil não só avaliar as necessidades relacionadas com a procura, o desenvolvimento e a modernização, mas também utilizar o «planeamento estratégico» como factor de mudança e como instrumento de mobilização de recursos e de energias disponíveis no sentido da valorização do factor humano.
Tal tipo de preocupações é hoje cada vez mais decisivo, considerando as exigências da globalização, da mobilidade, da concorrência internacional — bem como da democratização e da justiça social. Num mundo cada vez mais complexo, em que as «opções múltiplas» substituem as alternativas binárias, torna-se indispensável que a avaliação da qualidade científica e pedagógica das instituições de ensino superior desempenhe uma função positiva para a melhor compreensão das realidades sociais e da adequada inserção nela do sistema educativo e para a adopção de alterações e aperfeiçoamentos que favoreçam as respostas aos desafios da economia, da sociedade e da cultura.