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II SÉRIE-A — NÚMERO 36

da acção penal que ocorrem as violações mais graves dos direitos e interesses tutelados. É também aí que mais falta faz a extensão da titularidade do direito de fiscalização e iniciativa.

3.3 — Enquanto no projecto de lei apresentado pelo PS o objecto do direito de acção popular é a defesa de quaisquer direitos ou interesses protegidos, no projecto do Deputado Rui Machete o direito de acção popular apenas tem por objecto a defesa de direitos ou interesses difusos tutelados pelo ordenamento jurídico português.

Porquê só estes? Porquê só os direitos que o próprio projecto idenüfica com os que «pertencerem ou disserem respeito a um conjunto indeterminado e indeterminável de cidadãos que como tal sejam definidos por lei»? E quais, até agora, a lei se preocupou em definir como tais? E que definições, com essa preocupação, são de esperar no futuro?

Eis uma restrição que a própria Constituição parece não consentir, o que, a ser exacto, a fere de inconstitucionalidade. Na verdade, o n.° 3 do artigo 52.° da Constituição refere-se irrestritamente a «infracções» contra «a saúde pública; a degradação do património cultural», sem distinguir, entre os correspondentes direitos ou interesses que possam ser ou tiverem sido infringidos, daqueles cujos titulares foram indeterminados e indetermináveis aqueles cujos titulares forem determinados ou determináveis. (Diga-se de passagem que a referência à indeterminabilidade já englobaria, dispensando-o, o qualificativo «indeterminado». O que é indeterminável não pode ser ou vir a ser determinado.)

Acresce que direitos ou interesses tendo por objecto, por exemplo, a saúde pública, a degradação do património cultural e a degradação do ambiente tanto podem ser difusos como não ser.

No parecer desta Comissão relativo ao projecto de lei n.° 465/V, de que foi relator o Sr. Deputado Mário Raposo, afirma-se que «os direitos dos consumidores e o direito ao ambiente» configuram «situações típicas de tutela de interesses difusos». Típicas decerto, exclusivas é que não!

Crê-se, com efeito, não ser difícil configurar a infracção dos correspondentes direitos de um conjunto determinado ou determinável de consumidores (os que adquiriram ou consumiram determinado produto insalubre ou tóxico). Idem de lesados por determinada infracção ambiental (os afectados pela toxicidade de determinado depósito de resíduos). Já, porém, não será fácil determinar os titulares de lesão contra o património cultural ou o domínio público, para não sair das hipóteses mais frisantes, a menos que se considere que, estando em causa direitos ou interesses do universo nacional, este estará por globalização definido.

Vem tudo isto à colação para evidenciar o risco de uma restrição de contornos tão fluidos como a que se propõe no projecto de lei em apreço. Restringir a tutela constitucional e legal de que é portadora a acção popular ao âmbito dos direitos e interesses difusos equivaleria a amputar a previsão dela de uma parte considerável do seu objecto.

Aliás, sem justificação que se vislumbre. Se o universo dos titulares for determinado ou determinável, sobretudo se, apesar de o ser, for tão vasto como os habitantes de certo espaço, ou os consumidores efectivos de certo produto, por exemplo, por que vedar ao simples cidadão, ou à associação de defesa dos interesses em causa, o exercício da acção popular, só lho facultando quando se desconhecer a identificação efectiva dos em concreto lesados?

3.4 — Enquanto no projecto de lei apresentado pelo PS o enunciado dos direitos e interesses a defender reproduz a previsão constitucional expressa, no projecto do Deputado Rui Machete vai-se mais longe. Autorizado pela natureza

exemplificativa da previsão constitucional, o projecto em análise inclui entre os direitos e interesses a proteger a protecção do consumo de bens e serviços, a educação, o ordenamento do território e o domínio público.

Já o PS, no seu projecto de revisão constitucional, posterior à última versão do seu projecto de lei de acção popular, havia proposto que se aditasse ao n.° 3 do artigo 52." da Constituição a referência à tutela dos direitos fundamentais constitucionalmente protegidos. Porque de direitos fundamentais se trata, debalde se recusará que justificam a inclusão. Com uma ressalva: a de que, em regra, tais violações terão ou poderão ter destinatários certos — identificados ou identificáveis —, o que só reforça a vantagem em não espartilhar a tutela via acção popular dentro das fronteiras dos direitos ou interesses difusos.

Mais difícil se entremostra conceber violações do direito genérico à educação. Na verdade, a educação de quem (direito ou interesse não difuso) ou que educação de todos ou não se sabe de quem (direito ou interesse difuso)?

Quanto à protecção do consumo de bens ou serviços, concebido como interesse difuso, muito bem. Mas se não for difuso, ut supra? Recorda-se que se trata de interesse já protegido no quadro de lei especial por recurso a uma forma de acção popular, sem distinção entre interesse difuso e não difuso! Que se pretende? Revogar essa lei na parte em que tutela interesses não difusos?

E a nova referência ao domínio público? O interesse em causa será sempre difuso? Mesmo que se trate de domínio público de autarquia local? O que acontece se e quando não for?

Como se vê, se as extensões do objecto da tutela são no geral de saudar, não poderemos admiti-las sem ponderar a lógica e as consequências de cada extensão em concreto.

3.5 — Saúda-se a inclusão na acção popular — admitindo que nihil obstai — a participação em procedimentos administrativos, enxertando nela uma dimensão procedimental, mas não a forma de participação que em concreto se prevê. Ela é incomportavelmente burocratizante, nessa medida desestimulando o que positivamente admite. Os prazos e as formas de audição previstos, sem que se

esclareça o que acontece se não forem cumpridos; a relativa indefinição dos titulares do direito de participação que se prevê; as próprias multiplicidade e complexidade das formas de consulta que se admitem, e não menos, se não sobretudo, a deficiente definição dos procedimentos abertos k participação popular, são de molde a antecipar a certeza de que o esquema, na prática, não vai funcionar, como, aliás, não funcionaram, no passado, os numerosos esquemas de participação na feitura de leis tendo por destinatários determinados titulares de interesses. Seria pena se este novo tipo de participação viesse a ter idêntico destino.

Na verdade, «planos de desenvolvimento das actividades da Administração Pública» o que vem a ser? «Outros investimentos públicos relevantes» com impacte no ambiente ou' nas condições económicas e na vida em geral das populações ou agregados populacionais de certa área do território nacional» são em concreto o quê, ou deixam de fora o quê? «A preparação de actividades coordenadas da Administração a desenvolver num período futuro com vista à obtenção de determinados resultados» reporta-se a que preparação, a que actividades, a que período e a que resultados? E «relevante» é só o que custa mais de l milhão de contos? O barato carece de relevo? Positivo e negativo?

Como se vê, um excessivo apelo a conceitos ou formulações indefinidos ou de significado ambíguo. O mais provável seria vir a ambiguidade a servir de pretexto para,