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7 DE MARÇO DE 1996

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3 — O que o Governo pretende, cedendo ao grande patronato, e com a colaboração de outros parceiros sociais, é seguir a caminhada do PSD na desregulamentação completa das relações laborais, enfraquecendo, mais ainda, a posição dos trabalhadores, ameaçados nos seus direitos resultantes de conquistas históricas.

4 — A limitação da duração do horário de trabalho, diário e semanal, a estabilidade dessa duração, foi na verdade uma conquista histórica resultante de lutas e de sacrifícios que muitas vezes representaram o sacrifício da própria vida.

5 — A limitação da duração do trabalho, que a Constituição do 25 de Abril consagra, representa o progresso para aqueles que, sendo uma peça fundamental na produção da riqueza, têm um inalienável direito à felicidade, à realização pessoal, direito que, confrontando-se com a avidez do lucro, teria de, fatalmente, produzir confrontos e mártires.

6 — A limitação de poderes da entidade patronal no que toca às tarefas exigíveis aos trabalhadores é também uma resultante de um direito à realização profissional.

7 — Com o presente recurso o PCP prova que, contra o que a Constituição estabelece, o Governo age com uma óptica empresarial, colocando os trabalhadores à mercê das entidades patronais, assegurando que estas disponham dos tempos de repouso e dos lazeres dos trabalhadores conforme lhes convém, retirando-lhes a disponibilidade para a sua realização pessoal e das suas famílias.

8 — Com o presente recurso o PCP prova que, contra o que a Constituição estabelece, o Governo procede a um autêntico retrocesso social, anulando direitos consagrados em leis datadas de. 1969 e 1971.

9 — Do gravoso pacote acordado na concertação social, o Governo avança com uma das mais graves medidas contra os trabalhadores, ficando as poucas medidas positivas do mesmo para plano secundário.

10 — Porque a nossa Constituição não admite tal afrontamento aos direitos dos trabalhadores, a proposta de lei, onde são manifestas as inconstitucionalidades, não devia ter sido admitida.

11 — A proposta do Governo pode sintetizar-se no seguinte: •

a) Introduz no quadro da organização de trabalho o conceito de trabalho efectivo;

b) Procede à desconstrução da «norma» de organização semanal do trabalho, enveredando pela construção de uma outra baseada na 'organização de trabalho por «ciclos», no caso concreto por períodos de quatro meses;

c) Alarga desmedidamente o jus variandi, impondo ao trabalhador a realização de tarefas não compreendidas no objecto do contrato;

d) Anula os regimes obtidos quanto à redução de horários de trabalho, e os regimes de organização da duração semanal de trabalho, obtidos por convenção colectiva, mesmo que mais favoráveis para os trabalhadores do que os previstos nó diploma, impondo as soluções da proposta de lei.

12 — Relativamente à introdução do conceito de trabalho efectivo, o artigo l.°, n.° l, expressamente estabelece que as reduções de horário de trabalho previstas na lei não incluem as interrupções de actividade que

impliquem a paragem do posto de trabalho ou a substituição do trabalhador.

O que quer dizer, por exemplo, que enquanto um motorista de um camião estiver à espera de que o mesmo seja carregado ou descarregado, esse período não conta para a organização do seu horário como trabalho. E ainda, por exemplo, o tempo de que os pais necessitarem para consultas médicas dos filhos, não contará se esse serviço for distribuído nesse período a outro trabalhador.

13 — O conceito de trabalho pode ser encarado sob o ponto de vista empresarial, sob o ponto de vista da relação assalariado/empregador e ainda sob o ponto de vista individual do trabalhador.

Sob o ponto de vista empresarial, é tempo de trabalho aquele que expressamente é dedicado a actividades produtivas. Assim, não será, nesta óptica, tempo de trabalho aquele em que, embora à disposição do empregador, na empresa ou mesmo em casa, o trabalhador não produza riqueza.

Sob o ponto de vista assalariado/empregador, é tempo de trabalho todo aquele em que o trabalhador está à disposição do empregador, no local de trabalho ou mesmo em casa, ainda que esse tempo não seja dedicado à produção.

Sob o ponto de vista individual do trabalhador, é tempo de trabalho todo aquele que não pode ser utilizado por ele para a sua vida pessoal, por via da sua actividade profissional. Neste sentido, é utilizado para o conceito de acidentes de trabalho in itinere.

14 — Resta saber qual o conceito de trabalho constante da Constituição da República.

O artigo 59.°, n.° 1, alínea b), da Constituição da República Portuguesa dispõe que todos os trabalhadores têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a sua realização pessoal.

Dispõe ainda na alínea d) do mesmo número que todos os trabalhadores têm direito ao repouso e aos lazeres, a um limite máximo da jornada de trabalho, ao descanso semanal e a férias periódicas pagas.

Assim, não subsistem dúvidas de que a Constituição, ao acentuar, relativamente ao tempo de trabalho, o direito à realização pessoal dos trabalhadores, e o direito ao repouso e aos lazeres, assimilou o conceito de trabalho encarado do ponto de vista individual do trabalhador, nào sendo, por isso, possível ao legislador ordinário introduzir na lei um conceito de trabalho do ponto de vista estritamente empresarial.

15 — Ora o que a proposta de lei faz é introduzir na legislação esse conceito, há longuíssimos anos ausente do sistema jurídico-laborai (uma conquista histórica dos trabalhadores), sistema este que adoptou mesmo, ainda que mitigadamente e em sede de acidentes de trabalho, pelo menos, o conceito de trabalho do ponto de vista individual do trabalhador.

16 — Na verdade, colocando o trabalhador à disposição da entidade patronal, sem contar todo esse tempo como tempo de trabalho, a proposta de lei assume um ponto de vista estritamente empresarial, impede a realização pessoai do trabalhador, restringe insuportavelmente o direito ao repouso e aos lazeres, coloca o trabalhador à disposição da entidade patronal mais do que quarenta horas por semana.

17 — Assim, a proposta de lei infringe os citados preceitos constitucionais.