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n SÉRIE-A —NÚMERO 27

18 — Relativamente à desconstrução da norma de organização semanal da duração de trabalho, verifica-se que a proposta de lei toma como referência o ciclo de quatro meses para que as entidades patronais possam nesse período, tendo como base o conceito de trabalho efectivo atrás analisado, jogar melhor com a adstrição do homem à máquina, e não da máquina ao homem, e impor horários semanais de duração variável, excedendo nalgumas semanas mais do que as quarenta horas de trabalho.

19 — Tal solução infringe os citados preceitos constitucionais, mas não só! De facto, nos termos do artigo 2." da Constituição da República, Portugal é um Estado de direito democrático que tem por objectivo a realização da democracia económica, social e cultural.

O artigo 9.°, alínea d), da Constituição da República Portuguesa estabelece como uma das tarefas fundamentais do Estado a de promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os Portugueses, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais, mediante a transformação e a modernização das estruturas económicas e sociais.

20 — Tal como dizem Vital Moreira e Gomes Canotilho (in Fundamentos da Constituição), a Constituição da República Portuguesa consagra o princípio do Estado social, princípio que se articula com os direitos económicos, sociais e culturais. E ainda, como dizem os referidos constitucionalistas, tal princípio implica a «proibição de retrocesso social, subtraindo à livre e oportunística disposição do legislador a diminuição dos direitos adquiridos, em violação do princípio de confiança e da segurança dos cidadãos no âmbito económico, social e cultural».

21 — O direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, que facultem a realização pessoal, e o direito ao repouso e aos lazeres fazem parte dos direitos económicos, sociais e culturais.

22 — Segundo Vital Moreira e Gomes Canotilho, há que averiguar, no que toca aos direitos sociais, económicos e culturais, se estamos perante direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias.

23 — E, no que toca ao direito ao repouso e ao direito ao limite máximo da jornada de trabalho, os referidos constitucionalistas entendem que se trata de direitos fundamentais de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, beneficiando por isso, nos termos do artigo 17.° da Constituição da República Portuguesa, do regime destes.

24 — Ora, a proposta de lei não garante o direito ao repouso, na medida em eleva para limites inadmissíveis, para além mesmo daquilo que está previsto no Decreto--Lei n.° 409/71 — e que representou uma conquista histórica dos trabalhadores —, a jornada diária e semanal de trabalho. E, no que respeita também ao direito ao limite máximo da jornada de trabalho, também a proposta viola a Constituição.

25 — Na verdade, a jornada (v. o étimo jorna — salário por referência a dia, tal como inicialmente acontecia) é, nos termos da Constituição, o tempo de trabalho durante vttn dia. E o que a Constituição estabelece é que os Éraoaíhadores têm direito à limitação do seu horário de trabalho diário, reforçando-se essa limitação com o direito ao repouso e aos lazeres, funcionando como limitação ao horário semanal esse mesmo direito ao repouso, reforçado, com a expressa inscrição na Constituição, do direito ao descanso semanal, e funcionando como limitação à anua-

lização do horário, para além daquele direito ao repouso, o direito às férias periódicas pagas.

26 — Ora, na medida em que, a proposta de lei admite que num ciclo de quatro meses possa haver dias e semanas que excedem o que consta actualmente das leis, fontes de direito de trabalho, viola a mesma um direito análogo aos direitos liberdades e garantias, um direito que beneficia do regime dos direitos liberdades e garantias. Porque o que a Constituição quis e quer é que não possa haver retrocessos no horário diário e semanal dos trabalhadores.

27 — E a proposta consagra tremendos e inadmissíveis retrocessos que o princípio do Estado social, consagrado pela nossa Constituição, não admite.

. 28 — Sendo, portanto, direitos, beneficiando daquele regime análogo (artigo 17." da Constituição da República Portuguesa), beneficiam do disposto no n.° 2 do artigo 18.° da Constituição da República Portuguesa.

29 — Isto é: as restrições aos direitos de natureza análoga só podem ser admitidas nos casos expressamente previstos na Constituição e têm de ser proporcionais, adequadas e necessárias à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente previstos.

30 — Uma vez que, como já atrás se salientou, a proposta de lei, partindo de um conceito de' trabalho estritamente na óptica empresarial, consagra essa óptica nos ataques ao direito à realização pessoal dos trabalhadores, há então que perguntar se a nossa Constituição, em nome de outro direito ou interesse constitucionalmente protegido, permite que se consagrem as restrições constantes da proposta de lei.

31 —Vital Moreira e Gomes Canotilho entendem que o direito à iniciativa privada é um direito análogo aos direitos, liberdades e garantias. Partindo dessa óptica, há que averiguar se os limites imanentes desse direito (ar-tigo,61.° da Constituição da República Portuguesa).

32 — Ora, o regime deste direito é que terá de conformar-se com os direitos dos trabalhadores, pois o que o artigo estabelece é que este direito se move nos quadros definidos na Constituição e tem de ter em conta o interesse geral.

Este direito tem, assim, os seus limites condicionados, nomeadamente pelo artigo 9.° da Constituição [designadamente, a sua alínea d), sobre promoção do bem-estar e da qualidade de vida do povo, bem como a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais].

33 — Isto é: o interesse empresarial é que tem de conformar-se com os preceitos constitucionais relativos aos direitos dos trabalhadores e não o contrário, como acontece com a proposta de lei.

34 — E não há outro direito na base do qual se possam restringir os direitos que vimos analisando.

35 — Podendo até afirmar-se, o que se passa a fazer, que a proposta de lei viola o direito ao trabalho previsto no artigo 58.° da Constituição da República Portuguesa, ele também um direito análogo, uma vez que, adstringindo o homem aos períodos de funcionamento da máquina e sujeitando-o a esta, se pretende brindar o sector empresarial privado com a desnecessidade de criação de mais postos de trabalho.

36 — É também, por isso mesmo, uma proposta que viola os artigos 17.° e 18.° da Constituição da República Portuguesa.

37 — Continuando a tomar em consideração os direitos dos trabalhadores análogos aos direitos, liberdades e garantias inscritos na alínea d) do n.° 1 do artigo 59.° da Consti-