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7 DE MARÇO DE 1996

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tuição da República Portuguesa, e ainda o direito à organização do trabalho em condições socialmente edificantes de forma a facultar a realização pessoal —alínea b) do mesmo número, mesmo que este não seja, como o afirmam Vital Moreira e Gomes Canotilho, um direito análogo —, a proposta de lei, mesmo fora das considerações anteriormente expendidas, confronta-se com o texto constitucional.

38 — Na verdade, e isto particularmente no que toca ao direito previsto na alínea b) do n.° 1 do artigo 59." da Constituição (onde podem colocar-se dúvidas sobre se se trata de um direito de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias), ainda assim, tal como o dizem Vital Moreira e Gomes Canotilho, beneficia esse direito, porque de um direito fundamental derivado se trata, do impedimento de retrocesso.

39 — Na verdade (v. Constituição Anotada dos referidos autores, artigo 17.° e anotações ao artigo 59.°), «todos os direitos constantes deste artigo (o artigo 59.°) beneficiam de garantia nos aspectos materiais já legalmente concretizados, os quais não podem ser restringidos (salvo nos termos previstos no artigo 18.°)».

40 — Ora, como atrás vimos, não existe qualquer direito cujos limites admitam as restrições aos direitos dos trabalhadores previstos na Constituição.

41—Relativamente à ampliação inadmissível .do jus variandi — isto é, o alargamento quase desmesurado da possibilidade de a entidade patronal impor ao trabalhador a realização de tarefas não compreendidas nas funções para que foi contratado —, ele contende com o artigo 58.° da Constituição da República Portuguesa na medida em que aquele direito se destina a tomar desnecessária a criação de mais postos de trabalho. Pelo que o direito dos cidadãos a obter por parte do Estado a prestação genérica deste no sentido de execução de políticas de pleno emprego, para que aqueles possam obter emprego, o direito dos cidadãos ao trabalho, o primeiro direito dos direitos económicos sociais e culturais dos trabalhadores, equiparável na hierarquia destes direitos, quando relacionados com os direitos, liberdades e garantias fundamentais, com o direito à vida (v. Constituição Anotada, de Vital Moreira e Gomes Canotilho) se mostra violado.

42 — Por outro lado, a óptica estritamente empresarial acolhida na proposta de lei não se conforma, também neste aspecto dó alargamento do jus variandi, com o artigo 61.° da Constituição da República Portuguesa. De facto, o interesse geral a que tem de submeter-se a iniciativa privada é postergado em nome do império patronal.

43 — Valem também relativamente a esta proposta o que atrás se disse relativamente à impossibilidade de retrocesso social relativamente a direitos dos trabalhadores.

44—-A imposição aos trabalhadores da execução de tarefas fora do objecto do contrato individual de trabalho, para além do quadro em que só em casos muito excepcionais, é admitido pelo Decreto-Lei n.° 49 408, de 1969 (!), constitui um inadmissível retrocesso social, violando o artigo 18.° da Constituição da República Portuguesa, pois é uma medida inadequada, desproporcionada e desnecessária (a não ser, é claro, para o desmedido lucro privado).

45 — Como atrás se disse, a proposta de lei estabelece a ineficácia das convenções colectivas que tenham estabelecido anteriormente reduções de tempo de trabalho, partindo de uma duração semanal superior a quarenta horas (v. artigo 4.°), obrigando à abertura de um processo

negocial para acordo sobre as regras de adaptabilidade conformes com as regras constantes da proposta, sob pena de, se isso não for conseguido no prazo de seis meses a contar da publicação da lei, se aplicarem as normas da proposta de lei.

46 — Esta proposta insere-se no movimento da individualização da duração de trabalho, permitindo os maiores arbítrios na relação trabalhador/entidade patronal, precisamente por deixar de existir a defesa colectiva resultante da contratação colectiva.

47 — E a verdade é que a Constituição da República Portuguesa não permite aquela proposta.

48 — Com efeito, o artigo 56.° da Constituição da República Portuguesa estabelece que compete as associações sindicais exercer o direito de contratação colectiva, nos termos da lei (v. n.° 3 do referido artigo).

49 — Tal como dizem Vital Moreira e Gomes Canotilho, o direito à autonomia contratual colectiva não pode ser aniquilado por via normativo-estadual.

50 — Ora, o que na proposta de lei se estabelece é esse aniquilamento relativamente a regimes mais favoráveis sobre a redução de horários de trabalho estabelecidos por convenção colectiva.

51 —Estamos perante um direito que faz parte dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores e já nem sequer de direitos análogos.

Nada há que justifique as restrições que se querem impor ao direito à contratação colectiva.

.52 — E mais: a proposta diminui a extensão e o alcance do conteúdo essencial do direito à contratação colectiva. E é retroactiva pois aniquila o estabelecido em anteriores convenções colectivas, o que quer dizer que a proposta de lei, para além de violar o artigo 56.°, n." 3, da Constituição, viola também de uma só penada o artigo 18.°, n.0* 2 e 3, da lei fundamental.

53—Assim, a proposta de lei, que represerAa. um retrocesso inadmissível em conquistas históricas dos trabalhadores, destinando-se a permitir uma maior exploração da sua força de trabalho e não a reduzir o horário de trabalho por forma que os trabalhadores beneficiem da evolução tecnológica com maior disponibilidade de tempo para a sua realização pessoal, espezinha verdadeiramente a Constituição da República e os direitos dos trabalhadores na mesma consagrados, violando os artigos 2.°, 9.°, alínea d), 17.°, 18.°, 56.°, n.° 3, 58.°. 59.°, alíneas b) e d), e 61.° da Constituição da República, pelo que a mesma não podia ter sido admitida pelo Sr. Presidente da Assembleia da República.

54 — Na verdade e explicitando: o artigo 1.°, n.™ 3 e 4, viola os artigos 2.°, 9.° e 59." da Constituição da República; os artigos 2." e 3.° violam o referido artigo 59.° e os artigos 17." e 18." da Constituição da República Portuguesa; o artigo 4.° viola o artigo 56.°, n.° 3, e o artigo 18.° da Constituição da República; o artigo 5.°, na formulação que dá ao artigo 10.° do Decreto-Lei n.° 4Q9Í 71, e o artigo 6.°, na formulação que dá ao artigo 22.° do Decreto-Lei n.° 49 408, violam o artigo 17.° e os artigos 2.° e 9." da Constituição da República.

55 — Pelo que o recurso merece provimento.

Assembleia da República, 5 de Março de 1996. — Os Deputados do PCP: Odete Santos — Octávio Teixeira — João Amaral — Luís Sá — Lino de Carvalho — Rodeia Machado — António Filipe — Bernardino Soares — Luísa Mesquita.