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9 DE MAIO DE 1996

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Com a publicação do Código Administrativo de 1940 a tutela passou a ser definida como «toda a ingerencia do Governo na actividade dos órgãos autárquicos com o fim de coordenar os serviços descentralizados com os serviços nacionais [...]».

A tutela, de acordo com o Código Administrativo de 1940, mais não era do que um instrumento destinado a jugular qualquer veleidade descentralizadora da administração, visando cortar cerce qualquer intenção auto-nomizadora por parte dos municípios.

A tutela assumia, então, para além da feição inspectiva, também o controlo do mérito e a natureza correctiva, substitutiva e sancionatória, própria de um regime político autoritário e fortemente centralizado.

5 — Só após o 25 de Abril se operou uma radical transformação no regime de tutela administrativa sobre as autarquias locais, que passaram a ser «pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam à prossecução de interesses próprios das populações respectivas» (artigo 237.°, n.° 2, da Constituição Política de 1976).

6 — A tutela administrativa sobre as autarquias locais passou a revestir a natureza de tutela inspectiva, visando tão-só o controlo da legalidade dos actos dos órgãos autárquicos, o que ocorreu, desde logo, com a publicação do Decreto-Lei n.° 342/77, de 19 de Agosto, e com a Lei n.° 79/77, de 25 de Outubro.

7 — Após a revisão constitucional de 1982 a tutela administrativa veio a ser constitucionalizada no artigo 243", com a já referida função inspectiva, e o seu exercício compete ao Governo por força do artigo 202.°, alínea d), da Constituição.

8 — A tutela de mera legalidade manteve-se com a publicação do Decreto-Lei n.° 100/84, de 29 de Março, e posteriormente alterado pela Lei n.° 25/85, de 12 de Agosto, e foi reiterada na revisão constitucional de 1989, e logo conformada pela lei ordinária com a Constituição através da Lei n." 87/89, de 9 de Setembro, actualmente em vigor.

Kl — Enquadramento legal

Desde logo o projecto de lei n.° 147/VII não dá acolhimento à Recomendação n.° l-B/96 do Provedor de Justiça, nos termos do despacho do Presidente da Assembleia da República, na medida em que retoma e decalca a formulação constante da alínea a) do n.° 1 do artigo 9." da Lei n.° 87/89, de 9 de Setembro.

Tal situação, a não ser aclarada e corrigida, corre o risco de ultrapassar a fronteira da constitucionalidade, como, aliás, decorre, entre outros, do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 364/91 (Boletim do Ministério da Justiça, n." 409, pp. 272 e segs.).

Por outro lado, é desde já dé sinalizar que uma das principais inovações do projecto de lei n.° 147/VJJ consiste na atribuição exclusiva dos poderes de controlo de legalidade ao Ministério Público, ao Tribunal de Contas e aos tribunais administrativos de círculo (artigo 3.°). Pelo contrário, no regime em vigor, tal competência incumbe ao Governo (artigo 6.° da Lei n.° 87/89). E a questão que se suscita é se a «desgovernamentalização» da tutela se conforma com o estipulado na Constituição. E se é verdade que o preceito constitucional relativo à tutela (artigo 243.°) não esclarece cabalmente quem são as «entidades tutelares», ou seja, os detentores do poder de tutela, «já de outros preceitos constitucionais [artigos 202.°, alínea d), e

229.°, alínea /)] decorre a imputação do poder de tutela aos órgãos de governo — o Governo central, no caso das autarquias do continente, e os governos regionais, no caso das autarquias das respectivas regiões» {Constituição da República Portuguesa Anotada, J. Gomes Canotilho e V. Moreira).

E a tudo acresce que a atribuição ao Ministério Público

dos poderes de controlo de legalidade exercido «através de inquéritos e de recolha e análise de informações e esclarecimentos [...]» (artigo 4.° do projecto de lei em apreço) parece não ser compaginável com as funções e estatuto do Ministério Público (artigo 221.° da Constituição da República Portuguesa) e que se traduzem na representação do Estado junto dos tribunais, no exercício de acção penal, na defesa da legalidade democrática e na defesa dos interesses que a lei vier a determinar. Ora, a Lei Orgânica do Ministério Público (Lei n.° 47/86, de 15 de Outubro), no estrito respeito pelo normativo constitucional, não parece poder acolher a ciclópica tarefa que o projecto de lei n.° 147/VTJ. parece visar, ou seja, o de acrescentar às importantes e já absorventes tarefas do Ministério Público as de, por sua iniciativa e competência própria, inquirir, recolher, analisar informações, solicitar esclarecimentos ao conjunto numeroso de autarquias e autarcas já existente no País.

Estamos também neste domínio em matéria que roça as fronteiras — se é que não as transgride — da conformação constitucional, o que necessariamente implicará, em caso de aprovação na generalidade do diploma, o indispensável trabalho de adequação constitucional em sede de comissão.

Por último, sempre se dirá que o projecto de lei n.° 147/ VJJ mantém, no essencial, uma vasta fatia das disposições da Lei n.° 87/89, apenas inovando quanto à semântica da denominação do diploma, buscando na expressão «controlo de legalidade» a substituição da expressão «tutela», que, aliás, tem a tradição que aqui já se aflorou e que está constitucionalmente plasmada. Ou seja, na essência, o projecto de lei n.° 147/VII articula um conjunto de preceitos que visam «o poder de fiscalização dos órgãos, serviços, documentos e contas da entidade tutelada», que é exactamente a fórmula definida para «tutela inspectiva» adoptada por Freitas do Amaral (in Curso de Direito Administrativo, 2.* ed., I vol., p. 705) ou ainda, numa fórmula mais sintética do ilustre professor «o poder de fiscalização de organização e funcionamento da entidade tutelada» (ob. c/f.).

Daí que a desverbalização inscrita no projecto de lei n.° 147/VII não pareça ter subjacentes razões de fundo que clarifiquem a opção dos subscritores em matéria de alteração terminológica de um conceito que atravessa a memória dos tempos.

Tendo em conta a sinalização, em matéria de constitucionalidade, já referida, considerando a legal admissão pelo Presidente da Assembleia da República, com a reserva constante do seu despacho, e as disposições regimentais aplicáveis, somos de parecer que nada obsta à subida a Plenário do projecto de lei n.° 147/VII para aí ser discutido e votado.

Assembleia da República, 8 de Maio de 1996. — O Deputado Presidente, Alberto Martins. — O Deputado Relator, Osvaldo de Castro.

Nota. — O relatório foi aprovado com votos a favor do PS, do PP e do PCP e votos contra do PSD e o parecer foi aprovado por unanimidade.