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17 DE ABRIL DE 1999

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porque se tornam menos imperativas as razões que determinam a necessidade de educação do menor para o direito e, havendo-as, será razoável atribuir-se a um membro da comunidade (o ofendido) o primeiro juízo sobre elas; quanto à tutela da vítima, porque a menoridade não diminui (pelo contrário, pode agravar) o interesse na disponibilidade do direito à acção.

13 — A partir daqui, o processo perfilha uma orientação em que a formalidade e o consenso se combinam, na procura de uma eficácia remanentemente ligada a três noções:

a da dignidade do menor, a de tempo processual e a da

intercorrência entre exigências de educação e necessidades de protecção.

Pela primeira, dota-se o processo das garantias que, em idêntica situação, acompanhariam a investigação de um facto crime cometido por adulto.

Uma das contradições do sistema proteccionista é exactamente a de pensar que, sendo o menor apenas objecto de medidas de protecção, o facto se apresenta como meramente sintomático e, por isso, não carecido de julgamento em sentido próprio. Não é assim no plano axiológico nem no das consequências. A imputação a um menor de facto qualificado pela lei como crime afecta-o como pessoa e produz efeitos estigmatizantes. Por isso, nenhuma medida tutelar será aplicada se o facto não for dado como provado nem nenhuma medida cautelar poderá ordenar-se se do facto não houver indícios.

Pela noção de tempo processual, imbui-se o processo de um princípio de contingência segundo o qual os prazos e as fases se devem adequar a uma personalidade em rápida transformação, em que uma medida pode ser necessária ou apropriada agora e pode deixar de sê-lo seis meses depois. Os prazos são reduzidos, as fases simplificadas e os procedimentos de decisão constantemente orientados para uma apreciação actualizada da situação.

Pela noção de intercorrência entre exigências educativas e necessidades de protecção, estimula-se uma comunicabilidade permanente entre o sistema de justiça e instâncias de protecção, prevendo-se a aplicação, no processo, de medidas provisórias de protecção e habilitando-se o Ministério Público a desencadear iniciativas com vista a assegurar a protecção social do menor ou a efectivar o exercício ou o suprimento do poder paternal. Não existe, de resto, qualquer antinomia entre o sistema de protecção e o de justiça.

As medidas tutelares possuem uma dimensão protectora. Só que integrada num projecto educativo especificamente orientado.

Os princípios de humanização que hoje constam dos códigos de processo penal mais avançados, como é o vigente entre nós, e que levaram à eliminação ou à limitação de «cerimónias degradantes», foram reelaborados à luz da natureza e das finalidades do processo e deram lugar a regras de elevada densidade tutelar, de que se destacam a exigência de condições específicas para a deslocação e o transporte do menor, a imposição de regras para a protecção da personalidade física e moral do menor durante a guarda ou a detenção, a audição do menor apenas perante autoridade judiciária, a previsão de condições especiais de ambiente físico e de trajo profissional na audiência, a possibilidade de restrições ou de exclusão da publicidade, a assistência do menor por médico, psicólogo ou outro especialista e a participação activa do menor, seus pais ou representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto no processo e na execução das medidas.

14 —.A mediação ou, numa acepção mais ampla, a «justiça reparadora» ou «restaurativa» tem vindo a ser conside-

rada, por alguns observadores, como uma nova e promissora modalidade de resposta ao crime.

Apoiada em estudos empíricos sugestivos, a solução não corresponde nem ao modelo de justiça nem ao modelo educativo. A dogmática, ainda que de uma forma hesitante, tende a analisá-la como alternativa aos modelos retributivos ou de reinserção e a situá-la num contexto em que ganhariam relevância os conceitos de «perda causada», «obrigação de reparar» e «satisfação das partes».

Temos de reconhecer que a validade desta concepção tem

um terreno privilegiado nos sistemas de delinquência juvenil objecto de tratamento penal pelo abaixamento dos limiares de imputabilidade. Nos outros, a sua função deve examinar-se mais como instrumento de educação e de inserção e menos como forma de pacificação em que a comunidade ficaria quite com o facto, ainda que o menor pudesse não melhorar com a intervenção comunitária.

Não possuindo o modelo educativo uma função punitiva ou retributiva, a mediação só pode entender-se como modo de resolver a situação problema sem recurso a procedimentos formais. Mas sempre tendo em vista a o fundamento da intervenção tutelar educativa: a educação do menor para o direito.

É este o sentido com que se recolhe a ideia de mediação.

Tratando-se de uma fórmula com reduzida tradição entre nós e com suportes institucionais ainda ténues, o diploma deixa uma ampla margem de discricionariedade na sua utilização que se espera poder frutificar com a capacidade e a imaginação de instituições públicas e privadas que venham a criar-se.

Em determinadas fases, porém — suspensão provisória do processo e audiência preliminar—, a mediação autonomiza-se como forma de obtenção do consenso ou de realização de outras finalidades do processo.

15 — A afirmação do princípio do contraditório constitui uma das principais rupturas com o modelo anterior. A participação constitutiva no processo só pode realizar-se se for conferido ao menor o direito de ser ouvido e de contraditar os factos que lhe são imputados, requerendo diligências e indicando as provas que entender convenientes.

Sem embargo, a «audição da outra parte» tem aqui um sentido específico.

Não se trata de ouvir portadores de interesses contrários (como no processo civil c, em certo sentido, no processo penal), mas de confrontar diversas perspectivas de um interesse plural. O princípio do contraditório no processo tutelar decorre, como historicamente sucedeu no processo penal, das garantias da defesa mas comporta uma dimensão de participação, sem a qual seria inconsequente falar em processo educativo. O menor deve ser visto como sujeito activo, capaz de participar na transformação do ambiente em que ocorre o seu próprio desenvolvimento.

16 — O princípio da obtenção da verdade material, segundo o qual o tribunal «constrói autonomamente as bases da sua decisão» independentemente, e para além dos contributos fornecidos pelos participantes processuais, constitui outro dos fundamentos do processo tutelar. A relevância do interesse público prosseguido pela intervenção tutelar não permite que o julgador se remeta à posição de árbitro.

Não podendo confundir-se verdade material com verdade ontológica, ela há-de ser uma verdade judicial, prática e processualmente válida, no sentido que lhe é reconhecido pelo direito processual penal. As particularidades que se introduzem visam acautelar a intangibilidade das provas e defender o interesse do menor num contexto em que podem pesar situações ou estados psicológicos diferentes dos que habitualmente caracterizam a fase adulta.-