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II SÉRIE - A — NÚMERO 54

A realização do princípio da obtenção da verdade material passa ainda pela consagração dos princípios da oralidade e da imediação na estruturação da audiência. A oralidade, correctamente entendida, permite a formação da decisão com base na discussão oral; a imediação faculta uma rela-

ção de proximidade e de comunicação entre o tribunal e os

participantes no processo, de forma a obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da sua

decisão.

Ligado ainda ao princípio da obtenção da verdade material, encontra-se o princípio da livre apreciação da prova. Sabido que este princípio não se confunde com uma apreciação arbitrária e puramente subjectiva, o tribunal deve fundamentar a formação da convicção de molde a legitimar a decisão e a torná-la susceptível de controle.

Aos meios de obtenção da prova previstos no processo penal adita-se o relatório social. Esta especialidade justifica-se pela natureza da prova — compreendendo, simultaneamente, o facto e a personalidade — e pela conveniência em não se dispersarem as fontes e em as rodear da necessária discrição.

17 — Outro dos princípios que sofrem reajustamentos é o da publicidade.

Em paralelo com o que se passa no processo penal, mas com maior amplitude e profundidade, admitem-se excepções à regra da publicidade, baseadas no interesse do menor ou no do próprio funcionamento do tribunal. O estado de desenvolvimento psíquico e intelectual dos participantes ou a sua sensibilidade à presença do público determinam desvios ao regime geral que respeitarão, em todo o caso, limiares de transparência e de democraticidade do processo. Os próprios riscos de estigmatização são sopesados, não deixando de fora a ideia de reprovação social, na medida em que ela pode contribuir para a adesão do menor ao processo educativo e para a sua responsabilização como elemento activo da comunidade.

18 — Neste mesmo contexto, a assistência por defensor surge como mero corolário.

A garantia de defesa tem, em múltiplos aspectos, incidências semelhantes às que se verificam no processo penal.

Mas não é ocioso destacar as particularidades.

Não tendo a medida tutelar finalidade retributiva e devendo os objectivos de prevenção ou de defesa social ser plasmados num critério que compreenda funções educativas, de reinserção, de pacificação social e de estabilização das expectativas comunitárias relativas à vigência das normas, o papel do defensor irradia para áreas de diversa raiz e densidade.

Antes de todas, a de assistir o menor naquilo que é o seu direito irrecusável a opor-se à imputação do facto. Este direito, que as correntes proteccionistas descuraram, é inerente à dignidade do menor como pessoa. O argumento de que o facto é meramente sintomático ignora que o evento criminal não é sociologicamente neutro e que, pelo contrário, é sempre possuidor-de um determinado potencial de estigmatização.

Em segundo lugar, cabe ao defensor assistir o menor perante uma ameaça de intrusão do Estado que se analisa em dois momentos: o da verificação da necessidade de medida tutelar e o da determinação da. medida. Nos dois momentos há uma imrorrússão na esfera individual e uma ameaça de interferência na autonomia de vontade e na forma de condução de vida do menor. O menor tem o direito de se opor à pretensão do Estado, por si ou através dos pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto.

Em terceiro lugar, a função do defensor não pode deixar de alargar-se ao próprio ambiente familiar porque é aí que a personalidade do menor se revela ou se oculta e que o

facto criminal se apresentará ou não como determinante. A função do defensor deverá então revestir-se de profundidade na observação e de subtileza na acção para que a justiça possa avaliar correctamente se, e até que ponto, a família. «está do lado» do interesse do menor.

A ausência de defensor constituiu uma lacuna inexplicavelmente persistente na Organização Tutelar de Menores,

apenas compreensível à luz de uma antropologia da família

e do Estado injusta e ultrapassada.

Ao declarar a inconstitucionalidade do artigo 41.° da Organização Tutelar de Menores, o Tribunal Constitucional veio ao enconuo desta evidência.

19 — Sobre medidas cautelares, importa mencionar duas ou uês notas.

Antes de mais, uma prevenção contra os preconceitos que frequentemente se associam à abordagem do problema. A mediatização de cenas judiciais em que, noutros países, menores de 9 e menos anos são sujeitos a formalidades de elevada carga estigmatizante e repressiva tem aproveitado aos que continuam a ver nos menores seres indefesos e na criminalidade juvenil um problema exclusivo da «sociedade adulta».

Não é bem assim, como se sabe.

Descontado o exagero dos sistemas que praticam soluções monistas, escalonadas apenas no que se refere à execução das penas, o problema da criminalidade juvenil adquiriu, nos últimos anos, contornos preocupantes.

É patente a tendência para um início mais precoce de «carreiras criminosas», por razões de diversa índole, em que pesa a desagregação do ambiente familiar e o crescimento de solicitações externas.

Há entre esta situação e o problema da toxicodependência um forte nexo de causalidade, traduzido particularmente na criminalidade ligada ao tráfico e ao consumo de droga. A inimputabilidade dos menores é frequentemente explorada por delinquentes, com foro de maior visibilidade nas redes de uáfico intermédio ou periférico de estupefacientes.

Mas, paralelamente, não pode também esquecer-se a existência de gangs, nomeadamente nas zonas meuopolitanas e suburbanas. E cada vez mais baixa a idade em que os menores enuam no mundo do crime, muitas vezes com a utilização de armas e a adopção de estratégias de organização e de dissimulação típicas das associações criminosas.

Uma das ilusões e certamente um dos erros da concepção proteccionista é admitir que estes menores devem ser uatados apenas como entes carecidos de protecção e ser destinatários das respostas que se oferecem a outros, que, por abandono, pobreza ou exclusão social, vagueiam pelas ruas. enuegues a si próprios.

Nos casos mais graves a natureza educativa do processo tutelar não pode deixar de mostrar-se atenta a questões de

defesa social.

Estamos certamente longe de dispor de instrumentos teóricos que nos permitam explicações finais para um direito que pretende ser educativo e não sancionador. Mas importa que este incorpore, naquilo que pode dominar, os necessários elementos de dissuasão e reintegração.

Por isso, as medidas cautelares organizam-se no interesse do menor, mas sem abstrair que se está perante um facto qualificado pela lei como crime.

Os princípios de necessidade, de adequação e de proporcionalidade têm inteiro cabimento, como também a tipicidade das medidas. Ainda neste ponto, houve a preocupação de evitar, tanto quanto possível, o primeiro contacto institucional do menor, prevendo a sua entrega aos pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, com