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0004 | II Série A - Número 006S | 03 de Dezembro de 1999

 

quando conclui que o primeiro passo a dar deveria consistir nessa revisão. ("A Igreja Católica e as outras confissões religiosas na Lei da Liberdade Religiosa", Forum Canonicum, 6, n.º 16-17, 1997). Posição aqui idêntica à adoptada é a do Professor Jorge Miranda, em parecer sobre a mesma versão, pedido e enviado à Comissão de Liberdade Religiosa criado pelo Governo, pela Conferência Episcopal. ("Liberdade religiosa em Portugal e o anteprojecto de 1997". Direito e justiça, 12-2, 1998, pp. 15 e 23). E no mesmo sentido se pronunciou o Professor Roque Cabral em comentário à mesma versão, na revista Brotéria ("Liberdade religiosa, Concordata". Brotéria 145, 1997, pp. 79-81).
Como nota este último autor, praticamente tudo e mais do que a Concordata assegurava à Igreja Católica está já assegurado pela actual Constituição e ficará ainda mais explicitamente assegurado com uma lei nos moldes da agora proposta. Contudo, a nova lei não vem tornar dispensável a existência de uma Concordata, na medida em que há matérias que assumem dimensão ou contornos especiais relativamente à Igreja Católica (casamento católico, criação de organizações, feriados, património, etc.) e em que tanto a Igreja Católica como o Estado têm interesse na fixação de um regime jurídico que seja no essencial imune às mudanças de maioria parlamentar. A diferença na forma não pode, é claro, ser acompanhada de diferenças materiais de regime, que ofenderiam o princípio da igualdade. Por isso, o projecto foi norteado pela preocupação evidente de as suas normas serem substancialmente aplicáveis à Igreja Católica, mesmo quando a sua aplicação imediata a esta é impossibilitada pela Concordata e pelo corpo de legislação complementar dela, até à sua desejável revisão.
O âmbito do projecto é naturalmente condicionado pelas considerações antecedentes. Não é uma declaração de princípios que quase nada adianta à Constituição, além de instituir uma Comissão de Liberdade Religiosa, remetendo para acordos futuros a efectivação dessa liberdade só para algumas confissões, como se fez em Espanha. Também não é um código do direito das religiões, direito que está começando a sistematizar-se em Portugal e que não está codificado em parte alguma. Tem a dimensão que permite a aplicação imediata e que corresponde quanto ao seu âmbito aproximadamente à Concordata vigente, aos acordos entre o Estado e as confissões celebrados na Itália, na Espanha e na Alemanha e ao projecto de lei italiano, que influenciaram o seu conteúdo.

III
Princípios

O capítulo I explicita os princípios constitucionais que inspiram toda a regulação jurídica do sector.
No artigo 1.º reproduz-se o n.º 1 do artigo 41.º da Constituição. A força jurídica da garantia constitucional exprime-se através do qualificativo "inviolável". É a única liberdade fundamental assim qualificada na Constituição, pertencendo a liberdade de consciência e de religião ao núcleo de direitos fundamentais que não podem ser afectados pela declaração de estado de sítio ou de estado de emergência (artigo 19.º, n.º 6). A Constituição também estabelece que é direito fundamental a interpretar e a integrar de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (artigo 16.º e n.º 2) e com outras regras aplicáveis de direito internacional (artigos 8.º e 16.º, n.º 1), o que implica uma interpretação extensiva e evolutiva do direito e, desde logo, um conceito amplo de religião, que abrange sistemas de crenças que não incluem a crença em um Deus pessoal, como é o caso do confucionismo e do budismo, pelo menos em certas interpretações destas religiões, claramente abrangidas pelos textos internacionais.
O princípio da igualdade vem consagrado na Constituição no artigo 13.º, n.º 2, como princípio de não discriminação, positiva e negativa, por causa de religião, entre outros fundamentos, e especialmente quanto à liberdade religiosa no n.º 2 do artigo 41.º, como princípio de não discriminação negativa. O n.º 1 do artigo 2.º sintetiza os dois textos. As convicções aqui em questão são apenas as convicções em matéria de religião e de consciência, interpretando-se assim a palavra "convicções" do n.º 2 do artigo 41.º, que não abrange certamente todas as "convicções políticas ou ideológicas" a que se refere o artigo 13.º, o qual por sua vez, inclui as convicções religiosas no âmbito da "religião" como causa de discriminação.
Não se inclui uma disposição semelhante à da segunda parte do n.º 2 da base IV da Lei n.º 4/71, tendo em vista as especiais proibições de discriminação derivadas dos artigos 47.º, n.º 2, e 50.º, n.º 1, da Constituição (igualdade de acesso à função pública e aos cargos públicos), por ser, sem dúvida, supérflua, senão restritiva, em face da redacção mais ampla que se retirou do n.º 2 do artigo 13.º da Constituição ("ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado").
O princípio da não discriminação das igrejas ou comunidades religiosas (artigo 2.º, n.º 2) integra o princípio da igualdade de direitos, dado o reconhecimento constitucional de direitos colectivos fundamentais das mesmas (artigo 41.º, n.os 4 e 5), e, embora não explícito na Constituição, resulta claramente da conjugação dos artigos 12.º, n.º 2, 13.º, n.º 2, e 41.º, n.os 4 e 5.
O artigo 3.º ("princípio da separação") reproduz o n.º 4 do artigo 41.º da Constituição.
Os n.os 2 e 3 do artigo 4. reproduzem os n.os 2 e 3 do artigo 43.º da Constituição, que são aplicações do princípio da não confessionalidade do Estado, a que se deu expressão geral no n.º 1.
Os artigos 5.º e 6.º desenvolvem os princípios constitucionais sobre restrições a direitos fundamentais na sua aplicação à liberdade religiosa, no confronto desta com outros direitos a interesses constitucionalmente protegidos (artigos 5.º, n.º 1, e 6.º), com o direito penal (n.os 2 e 3 do artigo 5.º) e a lei em geral (n.º 4 do artigo 5.º). O n.º 5 do artigo 5.º é retirado do n.º 6 do artigo 19.º da Constituição.
Pode perguntar-se, em face do n.º 2 do artigo 18.º da Constituição, se a liberdade religiosa pode ser restringida por lei, uma vez que o artigo 41.º da Constituição não prevê quaisquer restrições, devendo a única referência à lei no n.º 6, quanto à objecção de consciência, interpretar-se no sentido de abranger apenas leis de implementação ou de garantia de exercício.
Há, porém, limites imanentes aos direitos fundamentais que resultam da possibilidade de conflitos entre eles ou deles com interesses constitucionalmente protegidos como, por exemplo, interesses colectivos da paz internacional e civil ou os da soberania ou da forma democrática do Estado. Há práticas religiosas ou religiosamente motivadas que são evidentemente proibidas, tais como sacrifícios humanos, imolação de viúvas pelo fogo, perseguições de "bruxas", incitamento a guerra de motivação religiosa, execução de sentenças religiosas de condenação à morte, poligamia, maus tratos como forma de exorcismo, castrações ou excisões de menores, impedimento de tratamento médico de menores ou dependentes, etc. Trata-se, em todos estes casos, de actos que preenchem tipos de crimes, que não são justificados por objecção de consciência. São os limites desta última que