1504 | II Série A - Número 030 | 07 de Fevereiro de 2002
desconhecerem, por falta de publicação oficial, os limites à competência do Governo e da Assembleia decorrentes do acto de demissão. Dir-se-á que a demora normal da publicação não permite que se chegue a esse ponto. Mas a improbabilidade da hipótese não diminui a incongruência do argumento.
Em segundo lugar, ainda que se admitisse a antecipação dos efeitos do acto de demissão relativamente ao Governo e à Assembleia da República, seria sempre indispensável a definição do modo pelo qual estes dois órgãos de soberania adquiririam conhecimento oficial do acto de demissão. Este conhecimento oficial pressupõe o uso de um meio de comunicação formal, previamente definido e acessível à consulta dos órgãos destinatários (como é o caso da mensagem de renúncia do Presidente da República, nos termos do artigo 131.º da Constituição). Tal meio de comunicação, todavia, não vem identificado no Acórdão, nem se encontra estabelecido em disposição alguma da Constituição ou da lei. O Acórdão parece, mesmo, prescindir dele, ao reportar os efeitos da demissão ao momento da prolação do acto presidencial. Ora não se concebe que o conhecimento oficial do acto de demissão se obtenha através dos meios de comunicação social ou por qualquer outra forma igualmente difusa, incerta e falível.
Em terceiro lugar, e muito especialmente, não me sinto convencida pelo argumento de que a garantia dos deveres de lealdade política e de solidariedade e cooperação institucionais entre os órgãos de soberania sobrelevam as necessidades gerais de segurança no conhecimento das normas jurídicas. O acto de demissão não é, em si mesmo, um acto normativo. Mas desencadeia, enquanto acto-condição ou acto-pressuposto, consideráveis consequências normativas por via da redução constitucional das competências do Governo e da caducidade das suas propostas legislativas no Parlamento. Quanto à preservação da lealdade política do Governo e da Assembleia perante um acto do Presidente da República que fez cessar a legitimidade do Governo, ela não exige verdadeiramente a antecipação dos efeitos jurídicos do acto de demissão. O acto de demissão produz sempre um efeito político imediato, que o Presidente da República está em condições de fazer respeitar independentemente da publicação do seu decreto, nomeadamente através da recusa de promulgação de decretos-leis aprovados após a demissão, ou de leis votadas, também depois desse momento, sob proposta governamental.
Esta última consideração permite, também, por em dúvida a ideia de que a demissão do Governo, nas demais situações previstas no n.º 1 do artigo 195.º da Constituição, produz efeitos jurídicos imediatos, logo que verificados os factos que lhe dão causa. A deslegitimação do Governo opera-se no próprio momento em que esses factos ocorrem, e esse efeito político é suficiente nas relações entre os órgãos de soberania. Mas daí não se segue necessariamente que os efeitos jurídicos da demissão dispensem a publicação dum acto formal (apuramento de resultados eleitorais, reconhecimento de óbito ou incapacidade física do Primeiro-Ministro, moção da Assembleia da República) que assegure, a todos os órgãos públicos e à generalidade dos cidadãos, o conhecimento certo e seguro dum facto que determina importantes modificações na ordem jurídica em vigor.
Assim, considero que o Decreto do Presidente da República n.º 60-A/2001 só adquiriu eficácia, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 119.º da Constituição, com a sua publicação efectiva, ou seja, a partir de 26 de Dezembro de 2001; não havia, pois, caducado a proposta de lei n.º 109/VIII no dia em que foi aprovada, na generalidade, na especialidade e em votação final global, pela Assembleia da República.
2 - Sucede, porém, que não foi cumprida a imposição constitucional de audição das Regiões Autónomas quanto à alteração à Lei das Finanças respectivas que veio a ser efectivamente submetida a votação na Assembleia da República. Com efeito, a sua observância quanto à proposta apresentada pelo Governo, dada a diferença substancial entre os dois textos, não a pode dispensar; e não é desrazoável supor que as Regiões, neste caso, tivessem observações a fazer ao texto que foi objecto de votação.
É, aliás, com este sentido que a exigência constitucional de audição é interpretada pela Lei n.º 40/96, de 31 de Agosto, que, no seu artigo 7.º, impõe nova consulta "sempre que a audição tenha incidido sobre proposta concreta à qual venham a ser introduzidas alterações que a tornem substancialmente diferente ou inovatória".
Considero, portanto, ocorrer a inconstitucionalidade da preterição do direito constitucional de audição das Regiões Autónomas, consagrado no n.º 2 do artigo 229.º da Constituição.
Declaração de voto de José de Sousa e Brito.
Votei vencido, por entender que o decreto do Presidente da República n.º 60-A/2001, com data do dia 17 de Outubro, que é também a do 2.º suplemento ao Diário da República em que foi publicado, só produziu efeitos relativamente à Assembleia da República, nomeadamente a caducidade das propostas de lei, não aprovadas anteriormente na generalidade, no dia 27 de Dezembro, que foi o dia seguinte ao da distribuição do referido suplemento.
Com efeito, o n.º 2 do artigo 119.º da Constituição dispõe que a falta de publicidade dos actos previstos nas alíneas a) a h) do n.º 1 do mesmo artigo, entre eles os decretos do Presidente da República, [alínea d)], implica a sua ineficácia jurídica. Resulta do n.º 1 do artigo 1.º e do n.º 2 do artigo 3.º da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, que a publicidade assim relevante como condição de eficácia é a da publicação na parte A da 1.ª série do Diário da República. Quando, porém, a efectiva distribuição do Diário da República tiver sido posterior ao dia da sua publicação, é a data da distribuição efectiva que se considera como data da publicidade relevante. É o que se deduz, por identidade de razão, do n.º 4 do artigo 2.º da Lei n.º 74/98, que dispõe que os prazos da entrada em vigor dos actos legislativos e de outros, actos de conteúdo genérico se contam a partir do dia imediato ao da publicação do diploma, ou da sua efectiva distribuição, se esta tiver sido posterior. Com efeito, as mesmas razões de segurança e de confiança jurídicas que fundamentam a prevalência da data da distribuição efectiva sobre a da publicação, quanto à entrada em vigor, vale igualmente quanto à aquisição de eficácia jurídica. Um acto das espécies mencionadas no n.º 1 do artigo 119.º que tivesse sido publicado mas nunca tivesse sido distribuído seria juridicamente ineficaz.
A questão que se coloca ao Tribunal é a de saber se o decreto do Presidente da República n.º 60 A/2001, que demitiu o Governo, que se tomou eficaz pela distribuição no dia 26 de Dezembro (sendo a data da distribuição provada pelo registo da versão electrónica do Diário da República: artigo 18.º da Lei n.º 74/98) do Diário da República em que foi publicado, se aplica retroactivamente,