1506 | II Série A - Número 030 | 07 de Fevereiro de 2002
Basta pensar nos efeitos da demissão do Governo quanto à cessação de inúmeros cargos e de contratos de pessoal. Por outro lado, penso que o facto da publicação em suplemento com data anterior à da distribuição manifesta a vontade de afastar a vacatio legis de cinco dias do n.º 2 daquele artigo 2.º. Assim sendo, o Decreto entrou em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.
A tese da maioria vencedora tem um resultado praticamente indesejável: a inconstitucionalidade de uma lei aprovada de boa fé pela quase unanimidade da Assembleia da República. Não creio que tenha sido demonstrado pela maioria que tal resultado resulta da vontade do legislador constitucional, ou da vontade do Presidente da República.
Declaração de voto de Maria Helena Brito
Votei vencida, pelas razões que a seguir enuncio, sucintamente.
1 - Entendo, acompanhando nessa parte a doutrina expendida no n.º 6 do acórdão, que deve revestir a forma de decreto o acto através do qual o Presidente da República certifica a demissão do Governo por efeito da aceitação do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro.
Ora, nos termos do artigo 119.º, n.º 1, alínea d), da Constituição, os decretos do Presidente da República devem ser publicados no jornal oficial, Diário da República, e, por força do disposto no n.º 2 do mesmo artigo 119.º, "a falta de publicidade dos actos previstos nas alíneas a) a h) do número anterior [...] implica a sua ineficácia jurídica.
A exigência constitucional de publicação no jornal oficial, Diário da República, dos actos mencionados no artigo 119.º, n.º 2, da Constituição justifica-se pela necessidade de assegurar o conhecimento de tais actos, atenta "a necessidade da imposição aos cidadãos das normas jurídicas e a necessidade de certeza do ordenamento jurídico" (acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 303/90, referido no n.º 7 do acórdão em que se integra esta declaração).
Daí que a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, primeiro, a jurisprudência constitucional, depois, e, mais recentemente, a lei, tenham clarificado que a eficácia de certos actos depende da sua publicação efectiva (assim: além do já citado acórdão n.º 303/90, os acórdãos do Tribunal Constitucional, n.os 99/86, 53/87, 435/87 e 303/90, referidos no n.º 7 do presente acórdão; os artigos 1.º, 3.º e 2.º, n.º 4, da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro; no mesmo sentido, os pareceres da Procuradoria-Geral da República, n.os 265/78 e 5/84, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, n.º 124, de 30 de Maio de 1979, p. 3251 ss, e n.º 234, de 11 de Outubro de 1985, p. 9473 ss). Também a doutrina desde há muito se pronunciou no sentido de que a eficácia dos diplomas depende da sua publicação efectiva (cfr. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza, Forma externa dos actos normativos do Governo, "estudos CETAL", n.º 1, Lisboa, 1989, p. 22, e mais recentemente, Publicação, identificação e formulário dos diplomas: breve comentário à Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro, "Legislação", n.º 22, Abril-Junho de 1998, p. 57 ss, p. 58-59).
Em minha opinião, esta tese é igualmente adequada para determinar o momento em que se verifica a eficácia jurídica dos decretos do Presidente da República, e, concretamente, para o que agora interessa, do decreto de aceitação do pedido de demissão do Governo (neste sentido, o mencionado parecer da Procuradoria-Geral da República, n.º 5/84, a propósito da eficácia de um decreto do Presidente da República de exoneração de um membro do Governo; também no mesmo sentido, embora em obiter dictum, e de modo não inteiramente conclusivo, o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 142/85, Diário da República, II Série, n.º 206, de 7 de Setembro de 1985, p. 8369 ss, p. 8375).
Está em causa, no caso em apreço, um acto de comunicação de um órgão de soberania, um acto com eficácia externa. A produção dos respectivos efeitos há-de por isso depender do conhecimento desse acto pelos cidadãos e pelos outros órgãos de soberania. As razões substanciais que estão na origem da exigência constitucional da publicação no jornal oficial dos actos de conteúdo normativo valem também em relação ao decreto do Presidente da República através do qual é aceite o pedido de demissão do Governo designadamente tendo em vista a determinação do momento em que caducam, nos termos do artigo 167.º, n.º 6, da Constituição, as propostas de lei apresentadas pelo Governo à Assembleia da República.
Na verdade, embora não possa qualificar-se tal decreto como acto normativo, não pode deixar de considerar-se que estamos perante um acto do qual resultam importantes efeitos políticos e que tem relevantes implicações jurídicas, directamente relacionadas com a competência, de carácter normativo, dos órgãos de soberania, Assembleia da República e Governo (desde logo, tendo em conta o disposto nos artigos 167.º, n.º 6, 186.º, n.º 5, segunda parte, e 165.º, n.º 4, primeira parte, da Constituição da República Portuguesa).
2 - Partindo de considerações sobre a necessidade de um decreto do Presidente da República que certifique a demissão do Governo por efeito da aceitação do pedido de tal decreto, a decisão do Tribunal assenta afinal na noção de notoriedade pública. Mas notoriedade de quê? Do próprio acto do Presidente da República de aceitação do pedido de demissão ?
A ser assim, como parece, ao aceitar como suficiente a notoriedade do próprio acto do Presidente da República de aceitação do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro, o acórdão está, na realidade, segundo a minha interpretação, a dispensar o decreto de aceitação desse pedido de demissão.
Aqui reside, em meu entender, o equívoco e a incoerência da fundamentação do acórdão: por um lado, exige, para a efectivação da demissão do Governo, um decreto que certifique a aceitação, pelo Presidente da República, do pedido de demissão apresentado pelo Primeiro-Ministro; por outro lado, considera suficiente para a eficácia da demissão a notoriedade do acto de aceitação, pelo Presidente da República, do pedido de demissão.
3 - Como refere o Sr. Presidente da República no pedido de fiscalização preventiva de constitucionalidade em apreciação, "era público e notório que o pedido de demissão fora aceite pelo Presidente da República em 17 de Dezembro de 2001, tal como foi publicamente anunciado aos órgãos de comunicação social pela Casa Civil da Presidência da República".
Todavia, só "era público e notório que o pedido de demissão fora aceite pelo Presidente da República em 17 de Dezembro de 2001"; não era público e notório que tinha sido assinado pelo Presidente da República o decreto de aceitação do pedido de demissão e, muito menos, qual a data em que tinha sido assinado pelo Presidente da República o decreto de aceitação do pedido de demissão.
No dia 20 de Dezembro de 2001, os Deputados à Assembleia da República saberiam certamente "que o pedido de demissão fora aceite pelo Presidente da República em 17 de Dezembro de 2001". Mas como poderia a Assembleia da República ter conhecimento do facto relevante,