0178 | II Série A - Número 008 | 25 de Maio de 2002
a alterar o Estatuto da RTP, impondo-se que a escolha da maioria dos seus gestores seja feita pelo Conselho de Opinião». A alusão era referida ao projecto de lei n.º 138/VII que não viria a ser aprovado.
5 - Resulta já do exposto a natureza da solução desejada e efectivamente vertida para o direito positivo - uma solução que traduzisse a especificidade dos meios públicos de comunicação social e, nessa medida, desse satisfação à norma garantística da Constituição que, com sede no âmbito dos direitos, liberdades e garantias, proclama que «A estrutura e o funcionamento dos meios de comunicação social do sector público devem salvaguardar a sua independência perante o Governo, a Administração e os demais poderes públicos, bem como assegurar a possibilidade de expressão e confronto das diversas correntes de opinião» (n.º 6 do artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa). Norma-garantia tanto mais relevante quanto na mesma sede se assinala que «O Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão» (n.º5).
6 - Com retorno à proposta de lei n.º 4/IX, resulta, isso sim, cabalmente do seu articulado a intenção de reduzir os poderes do Conselho de Opinião da RTP, na modalidade proposta de uma competência para «Emitir parecer prévio, público e fundamentado, no prazo máximo de 10 dias, sobre a nomeação e destituição dos directores que tenham a seu cargo as áreas de programação e informação da empresa concessionária do serviço público».
7 - Resulta do teor da referida proposta e do seu enquadramento normativo no quadro da Lei da Televisão que, em caso de aprovação e entrada em vigor, dela resultará que nenhum poder de organismo independente se interporá no exercício pelo Governo, tanto do poder discricionário de designação como no de destituição dos membros dos órgãos de administração ou de fiscalização da RTP, ficando o respectivo regime, enquanto pessoa de direito privado e mão pública, integrado de pleno no regime regulado pelo Decreto-Lei n.º 558/99 (sector empresarial do Estado e empresas públicas), designadamente para efeitos de superintendência e orientação estratégica.
A ser assim, é de toda a evidência que o conteúdo preceptivo do n.º 6 do artigo 38.º da Constituição da República Portuguesa - independência perante o Governo - corre sérios riscos de passar à categoria das normas semânticas.
8 - Por outro lado, verifica-se que o teor da norma proposta segue literalmente uma outra que já confere idêntica competência de pronúncia, sem natureza vinculativa, à Alta Autoridade para a Comunicação Social (alínea e) do artigo 4.º da Lei n.º 43/98, de 6 de Agosto).
Daí que seja inevitável enfatizar a situação paradoxal de dois organismos independentes serem cumulativamente chamados ao exercício redundante de competências. Se, nesse exercício, ambos corroborarem uma mesma posição negativa e o Governo a não seguir, tal só pode resultar no descrédito das instituições. Se vierem a emitir posições contraditórias o descrédito não será menor, na exacta medida em que uma teleologia normativa que visa garantir independência perante poderes de nomeação termina por colocar estes na confortável situação de poderem escolher... a independência que preferirem.
9 - Incumbe ainda, no quadro da presente declaração de voto, inquirir se, tudo ponderado, e face à intenção legítima do Governo de actuar na reestruturação do serviço público de televisão, seguindo-se os termos compreensivos da presente declaração, lhe estariam vedadas normais possibilidades de actuação.
Já se salientou que a matéria do serviço público de rádio e televisão se inscreve no regime constitucional dos direitos, liberdades e garantias, recaindo, como tal, no campo de reserva de competência da Assembleia da República (alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa).
De onde naturalmente se segue que não poderia, com legitimidade, esperar-se de um órgão de defesa do serviço público de televisão que actuasse de modo a cooperar na diminuição do âmbito desse mesmo serviço enquanto o mesmo, com sede legal no regime de concessão tal como de atribuição de frequências, se mantiver definido como de dois canais emissores e não apenas de um.
Se procedesse de modo diverso do que procedeu, cooperando para a nomeação de um Conselho de Administração incumbido pelo Governo (mas não pela lei definidora do âmbito do serviço público, da competência da Assembleia da República) de diminuir a prazo de seis meses o âmbito das emissões televisivas de serviço público, então, sim, é que o Conselho de Opinião da RTP seria susceptível de ser atacado por agir com desvio do fim para que foi criado. Então e só então teria comprometido o princípio da legalidade, designadamente por não defender os requisitos institucionais de realização de um dos imperativos do serviço público de televisão - emissão obrigatória de dois programas de cobertura geral -, consignado na alínea i) do n.º 3 do artigo 4.º do Estatuto da RTP (ele próprio objecto da Lei n.º 21/92, de 14 de Agosto).
10 - Em conclusão, no respeito pelo princípio da separação e da interdependência de poderes, o caminho a seguir no repensar do serviço público de televisão só pode ser o da prévia clarificação legal do âmbito e do domínio do serviço público de televisão.
É que, como se demonstrou, não estamos perante matérias do âmbito da competência concorrencial Governo-Parlamento. Menos ainda no âmbito de uma reserva de administração sem subordinação tanto ao princípio da prevalência como ao da precedência de lei. A demonstrá-lo está, aliás, toda a história legislativa do serviço público de televisão de que, designadamente, resultam os seguintes aspectos:
a) A existência de duas frequências para a emissão dos dois canais da RTP resulta de um instrumento de concessão da rede de cobertura por acto legal da Assembleia da República - operado pelo artigo 5.º da Lei n.º 58/90, de 7 de Setembro;
b) A manutenção da concessão legal (por 15 anos) da exploração do serviço público de televisão (nos termos consolidados pela lei supra referida) resulta renovado à RTP por outro instrumento de lei formal - a vigente Lei da Televisão.
De onde resulta que alterar o âmbito e o domínio do serviço público de televisão, bem como a identidade dos entes titulares da exploração, ou ainda a reversão para o domínio público disponível de uma frequência da rede, tudo carece do recurso aos mesmos instrumentos da lei formal.
Caso contrário seriam drásticas as consequências: violação do domínio legislativo reservado da Assembleia da República no campo de aplicação dos direitos, liberdades e garantias; e, se, com deslegalização integral (como resulta