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1606 | II Série A - Número 028 | 15 de Janeiro de 2004

 

MENSAGEM DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ACERCA DA SITUAÇÃO FINANCEIRA, ECONÓMICA E SOCIAL DO PAÍS

Srs. Deputados:
Os últimos anos têm sido dominados, do ponto de vista do Orçamento do Estado, pelo debate em torno do défice público. A persistência desse debate, que atravessa vários governos, demonstra que a eficácia das medidas que têm sido tomadas é insuficiente para debelar o problema com que o País se confronta. Mas, pior do que isso, é prova de que um conjunto de problemas estruturais das finanças públicas portuguesas continua por resolver.
Uma análise serena e rigorosa desta realidade não pode deixar de confrontar o País, os seus governantes, os partidos políticos e os parceiros sociais com a necessidade de procurar um programa de trabalho e uma metodologia de intervenção que inverta algumas tendências instaladas.
A situação de desequilíbrio estrutural das finanças públicas, sendo reconhecidamente grave, coloca ao regime democrático um dos seus mais difíceis desafios. Enquanto responsáveis - que somos todos - pelo futuro do País, teremos de saber responder-lhe. Para tanto, há que mobilizar as competências e os conhecimentos disponíveis, trazendo-as para um debate sério e aprofundado sobre os problemas de fundo da economia e sociedade portuguesas.
Nesse debate reflectir-se-ão, naturalmente, posicionamentos político-ideológicos distintos. Para que ele ganhe elevação e encontre eco efectivo na opinião pública, importa, todavia, evitar que o confronto de pontos de vista, tão importante para esclarecer as complexas dimensões dos problemas, acabe por se esgotar num conjunto de recriminações recíprocas ou de picardias inúteis.
O desequilíbrio estrutural das finanças públicas portuguesas tem de ser corrigido, de forma gradual e sustentada, não só por motivos de ordem externa, que quase têm monopolizado a discussão sobre o tema, mas também, e sobretudo, por razões de ordem interna.
Entre estas, há que referir, desde logo, a necessidade de aumentar a margem de manobra da política de estabilização macroeconómica, sem o que continuaremos, no futuro, a ter dificuldades em lidar com conjunturas económicas nacionais e internacionais desfavoráveis.
Numa fase de crescente interdependência concorrencial dos mercados, que multiplica oportunidades de crescimento, mas que, por ausência de mecanismos de regulação supranacional justos e eficazes, também intensifica riscos e expõe as economias abertas mais vulneráveis a crises imprevistas, assumir o objectivo de rigor orçamental deve, por isso, ser muito mais do que uma intenção política conjuntural - impõe-se que seja uma orientação estratégica, quase diria uma atitude, incorporada por princípio e como princípio nas práticas da governação.
Mas a solidez das finanças públicas justifica-se ainda pela necessidade de dar continuidade e coerência à construção de um sistema de protecção social capaz de atenuar grandes vulnerabilidades e riscos de exclusão em amplas camadas da sociedade portuguesa. Sem querer entrar em detalhes, sempre referirei, a este propósito, todo o conjunto de novas exigências de protecção social decorrentes do envelhecimento, cada vez mais evidente, da população portuguesa. Não se trata apenas, neste caso, de garantir a sustentabilidade financeira do sistema de pensões. Trata-se também de preparar o sistema de saúde para enfrentar novos e complexos problemas na prestação de serviços aos mais idosos, assim como prover equipamentos e qualificações profissionais adequadas para apoiar com sentido humanitário uma população física e psicologicamente fragilizada e potencialmente muito desprotegida.
Reflectir sobre a situação orçamental portuguesa conduz quase inevitavelmente a aludir à recente decisão do Conselho ECOFIN de rejeitar as recomendações da Comissão Europeia relativamente ao incumprimento do Pacto de Estabilidade e Crescimento por parte da França e da Alemanha.
Defendi, há mais de um ano, a necessidade de uma adequada revisão do Pacto, justamente para evitar situações como a que foi agora criada. Referiria hoje e apenas que, em termos internos, o tratamento agora conferido àqueles dois países pode tornar menos necessário recorrer a medidas orçamentais extraordinárias; e que, por outro lado, a União Económica e Monetária precisa de reforçar a coordenação das políticas económicas dos seus Estados-membros, designadamente as políticas orçamentais nacionais, o que também implica, entre outros aspectos, a necessidade de um continuado rigor e disciplina orçamentais.
Srs. Deputados:
Promulguei, recentemente, legislação com incidência orçamental, incluindo a lei e o decreto-lei que autorizam o Governo a ceder créditos do Estado e da Segurança Social para efeitos de titularização.
Ninguém espera, naturalmente, que medidas de contenção da despesa corrente de natureza transitória e receitas extraordinárias que, por definição, não podem ser recorrentes possam apoiar uma consolidação orçamental duradoura e consequente. Não se deve confundir despesa reprimida com despesa controlada, nem receita regular com receita irrepetível.
O Presidente da República compreende que, uma vez estipulada uma meta quantitativa rígida para o défice do Orçamento do Estado, se tenha tornado necessário recorrer àquele tipo de medidas. Mas não pode deixar de tornar claro que uma consolidação orçamental comprometida com o futuro do País, com desígnios básicos de justiça social e com o bem estar das gerações vindouras requer, essencialmente, medidas de política sustentáveis e fundamentadas em termos estratégicos. Como também requer, seguramente, um orçamento de base plurianual, coerentemente articulado com a evolução previsível da economia a médio prazo, tendo em vista a gestão e o equilíbrio do orçamento ao longo do ciclo económico.
Para baixar efectivamente o défice público, sacrificando o menos possível despesas sociais indispensáveis e os investimentos públicos produtivos necessários ao desenvolvimento do País, impõe-se eliminar despesas supérfluas e racionalizar as restantes em todas as Administrações Públicas e, em simultâneo, combater a fraude e a evasão fiscais.
A contenção da despesa pública - primeiro vector do processo de consolidação orçamental - não deve ser efectuada através de cortes, sem sentido estruturante, mas, sim, através de uma gestão criteriosa das despesas correntes e de investimento que permita racionalizar serviços e seleccionar projectos, evitando, tanto quanto possível, que, no movimento de controlo da despesa, se sacrifiquem critérios elementares de justiça social ou se tomem medidas