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1610 | II Série A - Número 028 | 15 de Janeiro de 2004

 

criação de polícias organicamente estruturados como corpos de polícia na dependência dos municípios e na autorização de novas atribuições nos domínios de polícia aos municípios.
Isto é, os municípios podem actualmente dispor de corpos de polícia próprios a quem, para além das competências ordinárias de polícia administrativa, a Constituição atribuiu competências para, em cooperação com as forças de segurança, actuar no âmbito da segurança interna.
As polícias municipais, como resulta da sua inserção sistemática e do confronto das normas constitucionais que regulam estas matérias, são distintas das demais polícias, desde logo porque não são forças de segurança.
As forças de segurança, enquanto titulares do exercício de funções de soberania, têm uma organização única para todo o território nacional (artigo 272.º, n.º 4, da CRP), sendo o seu regime definido obrigatoriamente por lei da Assembleia da República, uma vez que é matéria de reserva absoluta (artigo 164.º, alínea u), da CRP). Quanto a este aspecto é importante sublinhar que o Tribunal Constitucional - Acórdão n.º 557/98, de que foi relatora Assunção Esteves, de 27 de Novembro, Processo n.º 318/89, publicado no DR, II Série, de 4 de Abril de 1990, p. 3462 ss., e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, Vol. 14, 1989, p. 471 ss - tem como entendimento que o princípio de reserva de lei do artigo 272.º, n.º 4, obriga a que as forças de segurança sejam taxativamente delimitadas. Em consequência da especial configuração das suas funções próprias, os respectivos agentes podem ser sujeitos a restrições no exercício de certos direitos, na estrita medida das exigências dessas funções (artigo 270.º da CRP).
Ora, apesar de partilharem com as forças de segurança o regime constitucional aplicável ao exercício de funções de polícia, designadamente os princípios da legalidade e da proporcionalidade previstos no artigo 272.º, n.º 2, da CRP, as polícias municipais têm um regime constitucional distinto. A vocação das polícias municipais está definida no artigo 237.º, que dispõe sobre a descentralização administrativa e está inserido no Título VIII da Constituição relativo ao poder local. Por outro lado, verifica-se que a Constituição, no artigo 165.º, n.º 1, alínea aa), reserva para a Assembleia da República, com possibilidade de autorização ao Governo, a competência para legislar sobre o "regime e forma de criação das polícias municipais". Isto é, a reserva de competência legislativa da AR não é absoluta, ao invés do que sucede com as forças de segurança, justamente porque as funções materiais de polícia exercidas pela polícias municipais têm um âmbito bastante mais circunscrito do que as forças de segurança.
Na verdade, as polícias municipais têm uma actuação essencialmente complementar. Como escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada), a actividade das polícias municipais está subordinada ao disposto no n.º 3 do artigo 237.º da Constituição, isto é, as polícias municipais tem a sua actuação circunscrita à cooperação com as forças de segurança na manutenção da tranquilidade pública e na protecção das comunidades locais.
Deste modo, a participação das polícias municipais no âmbito da segurança interna está limitada aos aspectos da segurança pública e, dentro destes, somente às áreas de "manutenção da tranquilidade pública" e "protecção das comunidades locais", sempre em cooperação com as polícias às quais foi atribuída a segurança interna a nível nacional.
Por outro lado, embora não o diga expressamente a Constituição, afigura-se que as polícias municipais vêm a sua actuação circunscrita não apenas do ponto de vista material, mas também do ponto de vista territorial.
Como assinala Catarina Sarmento e Castro em trabalho recentemente publicado - A questão das Polícias Municipais, Coimbra Editora, 2003, p. 332 -, as polícias municipais devem cingir a sua actuação aos limites da área do seu município e no interesse da respectiva população, "não sendo admissível a sua utilização para a protecção da comunidade nacional em geral, ou da manutenção da tranquilidade em aspectos que não respeitem a situações geradas por especiais situações locais". Por outras palavras, "as atribuições dos municípios em matéria de polícia só podem exercer-se no respectivo âmbito territorial que funciona como limite dos seus poderes. Sendo o município uma autarquia local, é seu elemento fundamental a ligação a uma comunidade local, por isso territorialmente situada, cujos interesses específicos derivam da sua especial inserção num território, e que se diferenciam dos interesses de outras comunidades locais e dos interesses da colectividade nacional global. Assim sendo, não podem as polícias municipais constituir-se sob formas supramunicipais, nem actuar fora do seu âmbito territorial" - vide A questão das Polícias Municipais, Coimbra Editora, 2003, p. 408.
Por causa das limitações materiais estabelecidas pela Constituição, mas também porque muitas matérias de polícia, pela sua natureza e importância, têm de ser exercidas numa dimensão nacional que as polícias municipais não têm, estas últimas nunca poderiam desempenhar algumas funções policiais. É o caso, designadamente, da prevenção e da investigação criminal. Estas funções estão, por isso, reservadas a outras entidades policiais situadas dentro do grupo das forças e serviços de segurança: os identificados no artigo 14.º da Lei de Segurança Interna (Lei n.º 20/87, de 12 de Junho, alterada pela Lei n.º 8/91, de 1 de Abril): a Guarda Nacional Republicana, a Guarda Fiscal, a Polícia de Segurança Pública, a Polícia Judiciária, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, os órgãos dos sistemas de autoridade marítima e aeronáutica e o Serviço de Informações de Segurança.
Todo esse enquadramento constitucional está devidamente salvaguardado na legislação vigente sobre polícias municipais: Lei n.º 140/99, de 28 de Agosto, que estabelece o regime e forma de criação das polícias municipais, e Decreto-Lei n.º 40/2000, de 17 de Março, que regulamenta as condições e o modo de exercício de função de polícia.
Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 39/2000, de 17 de Março, veio estabelecer as regras a observar na deliberação da assembleia municipal que crie, para o respectivo município, o serviço de polícia municipal, bem como os regimes de transferências financeiras e de carreiras de pessoal, em obediência pelo disposto na Lei n.º 140/99.

IV - Análise da iniciativa

Conforme anunciado pelos autores do projecto de lei na exposição de motivos, as propostas apresentadas não pretendem configurar qualquer inversão ou revolução legislativa quanto à natureza ou ao regime, no seu enquadramento geral, das polícias municipais.
Neste contexto, as polícias municipais continuam a ser definidas como "serviços municipais especialmente vocacionados para o exercício de funções de polícia administrativa", de âmbito municipal e insusceptíveis de gestão