1607 | II Série A - Número 028 | 15 de Janeiro de 2004
penalizadoras da própria qualidade da Administração Pública.
Quanto ao aumento da eficiência fiscal - o outro vector de uma genuína consolidação orçamental -, impõe-se reforçar (e faço questão de dizer que esse reforço é inadiável) a Administração Fiscal, de forma a combater eficazmente a fraude e a fuga ao fisco. Pôr fim à actual situação de perda continuada de receitas é um imperativo básico de racionalidade económica e de equidade social. Não é aceitável pactuar com o agravamento da carga fiscal sobre os contribuintes cumpridores; não é aceitável continuar a permitir uma distorção ostensiva das regras da concorrência leal. É preciso pôr fim a um quadro de incumprimento fiscal tão flagrantemente injusto e arbitrário que acaba por corroer predisposições cívicas e laços elementares de co-responsabilização e confiança recíproca, sem os quais nenhuma sociedade é capaz de se mobilizar e desenvolver.
Srs. Deputados: Já disse que não dissocio o desígnio de consolidação orçamental da necessidade de manutenção de responsabilidades por parte do Estado, quer na área da protecção social quer em termos de investimento público.
Dei, como exemplo do primeiro tipo de intervenção a exigência de reforço da contribuição financeira do Estado em matéria de protecção das gerações mais velhas. Convém, no entanto, não ignorar que, numa sociedade como a portuguesa, que arrancou tão tarde para a organização de serviços de bem estar, continuamos a ter, noutros domínios, prestações e serviços de protecção social insuficientemente dotados.
As comparações estatísticas de âmbito europeu continuam a revelar, nesta matéria, atrasos significativos do País relativamente aos valores médios da União Europeia. Mas também indicam que alguma convergência entretanto alcançada em termos de esforço financeiro do Estado tem produzido efeitos positivos.
A diminuição da incidência da pobreza, sobretudo da pobreza extrema, resultante de medidas de apoio e integração social desenhadas a partir da segunda metade da década de noventa, é um elemento informativo objectivo sobre que vale a pena meditar, já que nos põe perante um exemplo de como uma intervenção do Estado pode contribuir para melhorar os níveis de coesão social no País.
Ora, há outros sectores onde, em nome de exigências de solidariedade mínimas, essa intervenção faz todo o sentido: na atenuação dos efeitos da doença, da incapacitação física, da deficiência, do desemprego, entre outros. Assim sendo, não pode o Orçamento do Estado deixar de reflectir, com suficiente clareza, este tipo de preocupações.
Mas as responsabilidades do Estado nas sociedades contemporâneas vão muito para além do domínio da protecção social, estendendo-se a importantes funções de regulação e de sustentação estratégica da economia.
Bastará pensar, quanto às primeiras, nas responsabilidades inerentes à protecção ambiental ou à reconversão de empresas, sectores produtivos, qualificações profissionais e mesmo territórios ameaçados pela hipercompetitividade internacional, para se perceber quão decisiva pode ser a intervenção reguladora do Estado no tecido económico nacional.
Se tivermos em conta, por outro lado, as necessidades de investimento em infra-estruturas básicas, na criação de condições de sustentabilidade das actividades de investigação científica viradas para a inovação tecnológica e organizacional, na ultrapassagem de assimetrias regionais de desenvolvimento repetidamente diagnosticadas, na formação escolar de nível secundário e superior, no combate ao insucesso e à saída prematura de tantos jovens do sistema de ensino básico, na formação contínua dos activos, sejam eles simples assalariados, quadros, dirigentes ou empresários - se tivermos em conta todos estes domínios em torno dos quais se concentram, reconhecidamente, graves bloqueamentos ao desenvolvimento e fontes persistentes de desigualdades, pobreza e exclusão, então fica à vista quão arriscado será, em Portugal, fazer recuar o Estado na vida económica e social. É bom não esquecer, aliás, que, mesmo em países com limitações incomparavelmente menores do que as nossas, continua a ser o Estado a garantir os grandes aperfeiçoamentos nas áreas indicadas.
Srs. Deputados: A Resolução sobre a Revisão do Programa de Estabilidade e Crescimento 2003-2006, aprovada por larga maioria pela Assembleia da República em 9 de Janeiro de 2003, foi o primeiro passo para um entendimento e cooperação na área das finanças públicas. Incentivei esse passo, por entender que ele era imprescindível para iniciar o difícil caminho do equilíbrio orçamental.
Infelizmente, o acordo que suportou a Resolução não teve a continuidade desejada e o Programa de Orientação da Despesa Pública, apresentado pelo Governo e discutido pela Assembleia da República em Maio último, não consubstanciou o início de um processo orçamental plurianual, conforme a finalidade e nos termos que se supunha serem os admitidos no acordo subjacente à referida resolução de Janeiro.
Respeitou apenas a letra da Lei de Enquadramento e Estabilidade Orçamental, mas não lançou os instrumentos de concretização necessários.
Julgo que a referida Resolução da Assembleia da República mantém plena validade como base de trabalho para a solução dos problemas das finanças públicas, já que estabelece princípios e orientações largamente aceites e teve o acordo de uma larguíssima maioria parlamentar, onde estão incluídos os dois maiores partidos nacionais.
Um dos objectivos da mensagem que, nos termos constitucionais, dirijo a este órgão de soberania é o de deixar claro o meu apelo a que se retome esse processo, já que, sem ele, dificilmente poderemos chegar, em tempo útil e sem custos sociais muito gravosos, ao equilíbrio correcto e sólido das finanças públicas.
Estou certo de que este é um bom caminho.
As recriminações partidárias recíprocas sobre a gestão orçamental passada e presente, para além de gerarem falta de confiança e expectativas negativas que em nada ajudam a economia e as empresas, contribuem para deteriorar o ambiente propício à discussão dos problemas de fundo da economia portuguesa e para reduzir as possibilidades de concertação e de algum entendimento entre forças políticas quanto às medidas apropriadas e quanto à sua durabilidade para além dos ciclos eleitorais. Sem uma tal concertação, não será fácil encontrar solução para alguns problemas importantes.
Como já disse, também me parece conveniente repensar e reformular o processo de elaboração e de controlo do orçamento, por forma a que a política e a gestão orçamental sirvam melhor os objectivos do crescimento e da estabilidade macroeconómica.