2302 | II Série A - Número 052 | 17 de Abril de 2004
trabalho subordinado pode assumir ab origine estrutura poligonal; cfr. artigo 92.º).
[Anteriormente ao Código do Trabalho, a cedência ocasional estava prevista no Decreto Lei n.º 358/99, de 17 de Outubro, "Lei do Trabalho Temporário", sendo então problemática a desnecessidade do consentimento no caso de cedência de quadros técnicos].
Do seu regime no Código do Trabalho salienta-se que, salvo quando ocorra ao abrigo de instrumento de regulação colectiva de trabalho em que se rege pelas regras aí estabelecidas (artigo 323.º), a cedência ocasional depende da verificação cumulativa das condições previstas no artigo 324.º do Código. Uma destas condições é que a cedência tenha lugar no quadro de colaboração entre sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas de domínio de grupo, ou entre empregadores independentes de natureza societária que mantenham estruturas organizativas comuns. Outra é a exigência de que o trabalhador dê o seu acordo à cedência. Reside aqui, na dispensa do acordo do trabalhador, o punctum saliens da crítica do requerente à norma em causa.
3 - Apreciação das questões de constitucionalidade
3.1 - Passemos a enfrentar as questões de constitucionalidade suscitadas, podendo constituir-se, para este efeito, pela identidade de parâmetros constitucionais que convocam e seguindo, aliás, o requerimento do Presidente da República, dois grupos de normas:
I - As normas constantes dos n.os 4 e 5 do artigo 7, do n.º 5 do artigo 8.º e do n.º 3 do artigo 10.º (todas na dimensão referida quando se procedeu à delimitação do objecto do pedido);
II - A norma constante do n.º 2 do artigo 14.º.
3.2 - Como se viu, todas as normas do primeiro grupo determinam a consequência da nulidade dos contratos de trabalho que tenham sido celebrados pelas pessoas colectivas públicas com preterição dos requisitos, condições ou formalidades nelas previstos.
Sustenta o requerente que "a determinação da consequência da nulidade dos contratos de trabalho sem a simultânea previsão de quaisquer compensações constitui, do ponto de vista dos trabalhadores, uma consequência claramente excessiva ou mesmo inaceitável", uma vez que essa sanção é estabelecida para incumprimento de requisitos legais a que, na maior parte do casos, são alheios ou não podem controlar, expondo-os a que, em qualquer momento, venha a ser considerado nulo um contrato que celebraram em inteira boa fé. Assim, continua, as referidas normas, quando determinam este efeito, afectam decisiva e injustificadamente a garantia constitucional de segurança no emprego, consagrada no artigo 53.º da Constituição.
E acrescenta que, relativamente a todas as situações, mas com particular acuidade quando está em causa um contrato por tempo indeterminado, na medida em que precarizam uma relação laboral estabilizada, já que a qualquer momento os trabalhadores - a quem o Estado ou outras pessoas colectivas públicas alimentaram expectativas de estabilidade e estimularam a agir em consequência - podem ser sujeitos a uma declaração de invalidade do contrato com que não podiam razoavelmente contar, as mesmas disposições violam os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança próprios do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição) e especificamente concretizados na garantia constitucional de segurança no emprego.
E, finalmente, que essas normas, mesmo que a intenção que lhes preside seja a de corresponsabilizar todas as partes envolvidas no interesse da observância da legalidade e do interesse público, se configuram como restrições da mesma garantia constitucional violadoras do princípio da proibição de excesso própria do Estado de Direito e expressamente acolhido no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, uma vez que o trabalhador vem a ser penalizado da forma mais drástica, perdendo o emprego, por factos de que não é responsável, não controla, nem podia conhecer, constituindo a nulidade, como está prevista, uma sanção desrazoável, desproporcionada e não indispensável para garantir a prossecução do interesse público.
Vejamos.
3.3 - Uma vez que as normas em análise são postas em crise tendo por referente nuclear a garantia constitucional da segurança no emprego, ainda que também sejam convocados os princípios da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito (artigo 2.º da Constituição), e o princípio da proibição de excesso (artigo 18.º, n.º 2 da Constituição), comecemos por recordar o que, a este propósito e retomando jurisprudência anterior (transcreve-se aí o Acórdão n.º 581/95, que refere outros) se disse no recente Acórdão do Plenário n.º 306/2003, publicado no Diário da República, I Série A, de 18 de Julho de 2003 (apreciou, em fiscalização preventiva, normas do Decreto da Assembleia da República n.º 51/IX, que aprovava o Código de Trabalho), transcrevendo:
"III (...) - 1. A Constituição, no artigo 53.º, garante aos trabalhadores "a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos". Esta garantia constitui uma manifestação essencial da fundamentalidade do direito ao trabalho e da ideia conformadora de dignidade que lhe vai ligada. Por via dela se afirma em modo paradigmático a influência jus fundamental nas relações entre privados, que não é aí apenas uma influência de irradiação objectiva, mas uma influência de ordenação directa das relações contratuais do trabalho.
E é também o valor da autonomia que se realiza no programa da norma constitucional do artigo 53.º. A Constituição deixa claro o reconhecimento de que as relações de trabalho subordinado não se configuram como verdadeiras relações entre iguais, ao jeito das que se estabelecem no sistema civilístico dos contratos. A relevância constitucional do "direito ao lugar" do trabalhador envolve um desvio claro da autonomia contratual clássica e do "equilíbrio de liberdades" que a caracteriza. É que as normas sobre direitos fundamentais detêm, no plano das relações de trabalho, uma eficácia de protecção da autonomia dos menos autónomos. Aqui é evidente o desiderato constitucional de ligação da liberdade fáctica e da liberdade jurídica. A Constituição faz depender a validade dos contratos não apenas do consentimento das partes no caso particular, mas também do facto de que esse consentimento "se haja dado dentro de um marco jurídico normativo que assegure que a autonomia de um dos indivíduos não está subordinada à do outro" (C. S. Nino, Ética y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, pág. 178).
A segurança no emprego implica, pois, a construção legislativa de um conjunto de meios orientados à sua realização. Desde logo, estão entre esses meios a excepcionalidade dos regimes da suspensão e da caducidade do contrato de trabalho e da sua celebração a termo. Mas a proibição dos despedimentos sem justa causa apresenta-se