2305 | II Série A - Número 052 | 17 de Abril de 2004
da causa de nulidade, porque integrada por factos que lhe são inteiramente alheios e que, em condições de normalidade, na fragilidade de quem procura emprego, não estará sequer em condições de averiguar. É legítimo que, tendo participado num processo de selecção da iniciativa da pessoa colectiva pública empregadora e que depende da existência e regularidade da dotação, confie na verificação desse pressuposto da celebração do contrato. O "domínio do facto" pertence aqui, por inteiro, à pessoa colectiva pública empregadora, mais rigorosamente ao dirigente máximo do serviço (artigo 7.º, n.º 2). Não se trata de realidade imediatamente evidente ou em relação à qual seja exigível a um candidato a emprego, medianamente prudente e informado - e atente-se em que, embora possa abranger pessoal de elevada qualificação técnica ou profissional, o contrato de trabalho estará dominantemente vocacionado para o recrutamento de pessoal das categorias que exigem menos qualificação (cfr. n.º 2 do artigo 25.º e n.º 4 do artigo 1.º do diploma) -, uma aturada diligência de esclarecimento.
Porém, no outro braço da ponderação, entra o programa final desta norma que - como, de resto, daquelas outras que sancionam com a nulidade os contratos celebrados com violação das regras estabelecidas pelo diploma - é tornar efectivo o controlo e repressão dos abusos a que pode dar azo a adopção de um instrumentário jurídico menos constringente do que o clássico regime de direito administrativo da função pública.
Preocupação ou desconfiança do legislador que é historicamente legitimada pela experiência de continuada constituição de vínculos de trabalho irregulares na Administração Pública que, ciclicamente, têm vindo a ser objecto de medidas excepcionais de regularização [Sem preocupações de exaustão e só a partir de 1989, pode ver-se o panorama dos seguintes actos normativos versando a regularização da situação de pessoal em relação de trabalho irregular na Administração Pública: Decreto-Lei n.º 427/89, de 7 de Dezembro, Decreto-Lei n.º 413/91, de 19 de Outubro, Lei n.º 5/92, de 21 de Abril, Decreto Lei n.º 81 A/96, de 21 de Junho, Resolução do Conselho de Ministros n.º 23-A/97, Diário da República I Série B, de 14 de Fevereiro de 1997, Decreto-Lei n.º 103-A/97, de 28 de Abril, Lei n.º 76/97,de 24 de Julho, Decreto-Lei n.º 195/97, de 31 de Julho, Decreto Lei n.º 256/98, de 14 de Agosto, Decreto-Lei n.º 79/98, de 26 de Março, Decreto Lei n.º 489/99, de 19 de Novembro, Resolução do Conselho de Ministros n.º 97/2002, de 18 de Maio. Cfr., sobre as vicissitudes do próprio processo de regularização, Ana Fernanda Neves, A privatização das relações de trabalho na Administração Pública, in Os Caminhos da Privatização da Administração Pública, IV Colóquio Luso-Espanhol de Direito Administrativo, col. Stvdia Juridica, do Boletim da Faculdade de Direito, maxime, p. 170 e sgs.].
Efectivamente, a laboralização do emprego público - como, de um modo geral, a fuga para o direito privado - não liberta a Administração, designadamente na decisão de contratar e na celebração do contrato, da submissão ao princípio constitucional da legalidade administrativa (artigo 266.º, n.º 2, da Constituição), desdobrado nos subprincípios da precedência de lei (ou da preferência de lei ou da compatibilidade ou da não-contradição: os actos da Administração não devem contrariar as normas legais que se lhes aplicam) e da reserva de lei (ou da conformidade: a prática de um acto pela Administração exige a prévia estatuição de uma norma jurídica).
Ponto é que as medidas legislativas tomadas para salvaguardar este interesse constitucionalmente protegido passem o teste do princípio da proporcionalidade (em sentido amplo) ou da proibição de excesso (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição).
Como se disse no Acórdão n.º 200/2001, publicado no Diário da República, 2.ª Série, de 27 de Junho de 2001:
"Relativamente às restrições a direitos, liberdades e garantias, a exigência de proporcionalidade resulta do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República. Mas o princípio da proporcionalidade, enquanto princípio geral de limitação do poder público, pode ancorar-se no princípio geral do Estado de direito, impondo limites resultantes da avaliação da relação entre os fins e as medidas públicas, devendo o Estado legislador e o Estado administrador adequar a sua projectada acção aos fins pretendidos, e não configurar as medidas que tomam como desnecessária ou excessivamente restritivas.
O princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode, além disso, desdobrar-se analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou "justa medida". Como se escreveu no citado Acórdão n.º 634/93, invocando a doutrina:
"O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)."
Importa, ainda, fazer uma precisão sobre o alcance do princípio, e seu controlo jurisdicional, para a actividade administrativa e legislativa. Não pode contestar-se que o princípio da proporcionalidade, mesmo que originariamente relevante sobretudo no domínio do controlo da actividade administrativa, se aplica igualmente ao legislador. Dir-se-á mesmo - como o comprova a própria jurisprudência deste Tribunal - que o princípio da proporcionalidade cobra no controlo da actividade do legislador um dos seus significados mais importantes. Isto não tolhe, porém, que as exigências decorrentes do princípio se configurem de forma diversa para a actividade administrativa e legislativa - que, portanto, o princípio, e a sua prática aplicação jurisdicional, tenham um alcance diverso para o Estado administrador e para o Estado legislador. Assim, enquanto a administração está vinculada à prossecução de finalidades estabelecidas, o legislador pode determinar, dentro do quadro constitucional, a finalidade visada com uma determinada medida. Por outro lado, é sabido que a determinação da relação entre uma determinada medida, ou as suas alternativas, e o grau de consecução de um determinado objectivo envolve, por vezes, avaliações complexas,