2747 | II Série A - Número 067 | 24 de Junho de 2004
Capítulo III - Exames e perícias médico-legais, e do Capítulo IV - Autópsias médico-legais.
A proposta de lei agora apresentada pelo Governo vem, essencialmente, autonomizar e densificar o regime jurídico das perícias médico-legais em diploma próprio, revogando, para o efeito, os artigos 40.º a 54.º (Capítulo III - Exames e perícias médico-legais e Capítulo IV - Autópsias médico-legais) e 78.º a 82.º (Capítulo VI - Disposições finais) do Decreto-Lei n.º 11/98.
A autonomização desta matéria em diploma próprio corresponde a uma necessidade de actualização da legislação em vigor, atento sobretudo o facto de as perícias médico-legais constarem de um diploma amplamente revogado, e surge como concretização da reforma encetada pelo anterior Governo com a aprovação dos Estatutos do INML e as alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 183/2000, de 10 de Agosto.
O objectivo prosseguido com esta reforma prende-se com o reconhecimento de que a medicina legal, pelo diversificado leque de actividades que envolve (tanatologia, toxicologia forense, genética forense, clínica médico-legal, psiquiatria forense), existe fundamentalmente em função dos vivos e para os vivos. Estes, com efeito, representam nos dias de hoje a maior parcela do âmbito e objecto (as autópsias, tão associadas à medicina legal no imaginário popular, representam somente cerca de 10% das perícias efectuadas).
Assim, procurou-se garantir que o congestionamento dos serviços oficiais não constitua factor de morosidade na administração da justiça, razão pela qual se permite que aqueles serviços contratem entidades terceiras para a sua realização dentro do prazo fixado pelo tribunal.
Noutra vertente, em virtude da introdução de aparelhos de teleconferência nos tribunais e nos serviços oficiais aos quais são frequentemente requeridas perícias, foi possível alcançar uma maior celeridade processual.
Sem intenção de proceder a um registo exaustivo, importa, no entanto, salientar as alterações mais expressivas, bem como as dúvidas mais relevantes suscitadas pela leitura da proposta de lei, sendo prejuízo de, em fase de discussão na especialidade, se sugerirem aperfeiçoamentos ao articulado.
Na elaboração do presente relatório, procede-se ao cotejo das alterações pretendidas com o disposto na lei vigente, designadamente, no Decreto-Lei n.º 11/98 e nos Estatutos do INML, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 96/2001, seguindo, sempre que possível, a ordem do articulado da proposta de lei.
Assim, e desde logo, no que respeita à realização das perícias (artigo 2.º), constata-se que a proposta de lei segue, de uma maneira geral, o regime geral vigente: isto é, as perícias são realizadas nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INML, podendo recorrer-se a terceiros perante manifesta impossibilidade dos serviços ou, nas comarcas não compreendidas na área de actuação daqueles, à contratação de médicos.
No entanto, a proposta de lei evidencia um retrocesso em relação aos objectivos que vinham a ser prosseguido nas reformas anteriores. Efectivamente, a proposta de lei vem estabelecer a obrigatoriedade da realização das perícias nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INML e determinar a excepcionalidade do recurso a terceiros.
Relativamente à requisição de perícias, que a proposta de lei insere no capítulo das disposições gerais, a redacção do artigo 3.º deve ser mais precisa, distinguindo as entidades que as podem solicitar, visto que há perícias que podem ser ordenadas por autoridade judicial ou judiciária e outras que podem também ser solicitadas directamente pelas autoridades policiais (v.g. os exames e perícias de genética, biologia e toxicologia forenses, nos termos do artigo 23.º da proposta de lei e do artigo 29.º dos Estatutos do INML).
No artigo 5.º, relativo à responsabilidade, a proposta de lei vem retirar a independência técnico-científica aos médicos peritos. No entanto, a obrigatoriedade de respeitar as normas, modelos e metodologias periciais em vigor no INML, necessárias à uniformização das perícias, não pode atingir ou afastar a independência ou a autonomia, técnico-científica aos médicos peritos. Atente-se a que a independência técnico-científica própria de cada perito na apreciação de cada processo foi salvaguarda na criação INML, como expressamente assinalado no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 96/2001.
Também neste âmbito, a possibilidade de a elaboração ou a conclusão de um relatório ser cometido a perito diferente daquele que efectuou o exame apenas pode ser justificável em caso de manifesta impossibilidade do perito inicial, nunca por urgente conveniência de serviço (artigo 5.º, n.º 6).
A razão subjacente a esta disposição tem a ver com a necessidade de recuperar perícias efectuadas mas relativamente aos quais, por manifesta impossibilidade do perito (v.g. morte, incapacidade, etc.), não foi elaborado o respectivo relatório ou emitida a sua conclusão e desde que, obviamente, existam notas ou documentação suficiente que o permitam. Não deve, pois, ser confundida com uma mera medida para dar resposta à urgência e à conveniência do serviço.
No artigo 6.º, a proposta de lei vem introduzir restrições ao acompanhamento do examinado por pessoa de sua confiança, que passaria a ser permitido apenas nos casos de exames de natureza sexual. No entanto, afigura-se que a limitação agora pretendida deve também ser afastada, designadamente, nos casos de menores, de pessoas idosas ou de portadoras de deficiência.
Por outro lado, proposta de lei pretende que a autoridade judiciária tenha a faculdade de, se assim o entender, assistir à realização de todos os exames periciais. Actualmente, a autoridade judiciária apenas preside, obrigatoriamente, às autópsias médico-legais que não sejam realizadas nas delegações e nos gabinetes médico-legais do INML (artigo 43.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 11/98).
Outra novidade é a introdução da possibilidade de o pagamento das custas dos exames e perícias realizadas em estabelecimentos universitários ou de saúde, público ou privado, por inexistirem peritos com formação especializada nas delegações ou gabinetes do INML, poder "reverter, até um máximo de 50%, para os médicos ou técnicos que os tenham efectuado" (artigo 8.º, n.º 4). Todavia, não se estabelecem critérios objectivos que balizem essa reversão, como seja o grau de complexidade e as condições de trabalho proporcionadas pelo respectivo serviço, sendo que devem sempre ser tidos em consideração os valores a pagar aos peritos constantes da portaria em vigor. Igualmente importante é garantir que a realização das perícias, designadamente as solicitadas a peritos em regime de dedicação exclusiva, não interfira com a sua actividade nos lugares de origem.
Igualmente controversa é a questão do direito à informação (artigo 10.º), que terá de ser bem delimitado e servir