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0007 | II Série A - Número 020 | 03 de Dezembro de 2004

 

Caracterização do modelo jurídico-constitucional do processo penal

1 - É sabido como o modelo jurídico-constitucional português do processo penal é recorrentemente apresentado como referência exemplar no Estado de direito democrático e na respectiva arquitectura de separação de poderes.
Justifica-se que assim seja. Na medida em que tal modelo representa, por um lado, na dimensão assegurada à independência do poder judicial, e, por outro, na garantia de autonomia do Ministério Público, um compromisso inequívoco de que as magistraturas actuam, tanto na promoção e na investigação criminal como no julgamento, livres de constrangimentos derivados de quaisquer intromissões de poder.
O paradigma jurídico-constitucional do nosso processo penal pode, assim, intentar uma síntese harmoniosa de vários planos convergentes, a saber: o da responsabilidade política traduzido nas definições do sistema legal e nas orientações genéricas de política criminal susceptíveis de serem traçadas pelos órgãos de soberania (CRP, artigo 219.º, n.º 1); o da responsabilidade judiciária no plano do Ministério Público, encarregue pela Constituição de, nos termos da lei, exercer a acção penal orientada pelo princípio da legalidade, o da acção policial subordinada no processo à orientação do Ministério Público e o da função judicial, desdobrada desde um plano de controlo de legalidade em fases nucleares do inquérito, à responsabilidade pela instrução (CRP, artigo 32.º, n.º 4) e à competência plena para o exercício de toda a actividade jurisdicional.
Em tal quadro, o modelo processual penal buscou modalidades de aprofundamento que, à face do regime legal vigente, a doutrina costuma apelidar como o de um processo equitativo, baseado no princípio do acusatório (CRP, artigo 32.º, n.º 5) temperado pelo inquisitório. No sentido em que através de tal paradigma se intenta dar cumprimento a normativos constitucionais com valor inerente ao regime dos direitos, liberdades e garantias, assegurando todas as garantias de defesa, incluindo o recurso (CRP, artigo 32.º, n.º 1), o contraditório - nos actos de instrução e de julgamento - e a presunção de inocência até ao trânsito em julgado de sentença de condenação (CRP, artigo 32.º, n.º 2).
Numa recensão crítica quanto à credencial básica de orientação jurídico-constitucional, poderá dizer-se que o vigente paradigma processual penal procura a conciliação óptima entre a eficácia da investigação criminal e as garantias devidas aos que a tal investigação devam subordinar-se. Sobretudo, através de uma definição constitucional explícita das garantias devidas e dos direitos devidos à defesa. Os quais, em última análise, além do sistema ordinário de recursos admitidos ao nível dos tribunais judiciais, merecem ainda ser sindicados em última instância pelas competências de controlo reconhecidas ao Tribunal Constitucional.
Perante tal quadro, complexo por natureza, inevitavelmente se antevêem dificuldades múltiplas quanto às possibilidades de definição coerente de todo o sistema processual penal. Foi o que no entanto intentou fazer a Lei n.º 78/87, de 17 de Fevereiro, ao abrigo da qual foi aprovado o actual CPP, no uso de autorização legislativa concedida pela Lei n.º 43/86, de 26 de Setembro, visando dar expressão, na sua declarada ambição, a um modelo de processo situado na vanguarda da reforma do processo penal na Europa.
Na síntese, constante do projecto de resolução n.º 119/IX, na base da qual o Plenário da Assembleia da Republica deliberou por unanimidade estabelecer uma audição parlamentar de avaliação do regime processual penal, e que aqui se coteja, evidenciava-se os aspectos fundamentais da ambição de tal regime processual, a revisitar.
Confrontado com as exigências do Estado de direito, no sentido de um processo respeitador do regime das liberdades e garantias individuais e com a simultânea exigência de eficácia na realização da justiça criminal, o novo processo penal, nomeadamente, intentou:

- A distinção entre a pequena criminalidade e a criminalidade grave, entre soluções de desjudicialização, participação, oportunidade e consenso, por um lado, e de conflito, por outro, com a correspondente diversidade de tratamento processual;
- A maior agilização do processo no sentido da simplificação da desformalização da justiça penal, com reforço da ideia de celeridade;
- A efectivação do duplo grau de jurisdição.

Estabeleceu-se, doravante, um paradigma processual na base de uma estrutura acusatória, mediante definição do estatuto próprio do arguido, integrada por um princípio de investigação, com delimitação de funções entre o Ministério Público, o juiz de instrução e o juiz de julgamento.