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0095 | II Série A - Número 004 | 02 de Abril de 2005

 

de Janeiro), embora visasse resolver questões processuais que se colocam hoje relativamente ao justo direito, já garantido na lei, à reaquisição da nacionalidade portuguesa por emigrantes, denotou uma visão limitada que procura resolver erros do passado, mas que é cega aos desafios colocados pela realidade social portuguesa de hoje.

A realidade social portuguesa de hoje

Portugal confronta-se com um percurso de mais de duas décadas enquanto país de imigração, que se tornou especialmente evidente na última década. Se na década de 80 surgiram as primeiras gerações de descendentes de imigrantes usualmente designadas como "segundas gerações", hoje podemos assistir à consolidação de segundas gerações de descendentes de imigrantes. Trata-se de jovens e crianças que, embora tenham nascido em território português, não puderam obter a nacionalidade portuguesa.
A marcada guetização verificada entre os descendentes de imigrantes é, talvez, a expressão mais clara do que pode ser o resultado da denegação de direitos: viram os pais a trabalhar arduamente no nosso país, mas com uma vida miserável, muitas vezes na clandestinidade; nasceram no nosso país, mas tarde ou nunca viram reconhecida a nacionalidade portuguesa; cresceram no nosso país, mas viram-se excluídos de uma escola e de uma sociedade incapaz de permitir o desenvolvimento do sentimento de pertença por aqueles que são diferentes.
Este tipo de mecanismos geradores de guetização não se encontram apenas na lei da nacionalidade, mas as restrições colocadas ao direito a serem reconhecidos como portugueses são factor de exclusão. Muitos daqueles que pertencem às chamadas "segundas gerações de imigrantes", principalmente no que diz respeito a imigrantes provenientes das ex-colónias, não se sentem, por exemplo, cabo-verdianos/as ou angolanos/as (ou uma outra qualquer nacionalidade de origem dos pais), mas também não são reconhecidos/as como portugueses/as. Vivem, por isso, em autênticas "ilhas" urbanas, relativamente às quais lhes é permitido desenvolver um sentimento de pertença. Não têm verdadeiramente liberdade para construir a sua própria identidade, o que constitui um elemento importante de segregação social. Rui Pena Pires (in Conceber uma Nação Cosmopolista, em Economia Pura, de Setembro de 2000) alerta para o facto da etnicidade, nestes casos, não se basear "numa qualquer identidade transportada pelos imigrantes desde os seus países de origem" e dos processos de etnicização da imigração resultarem sobretudo em "confrontos sociais identitários durante o processo de integração", o que "ganha particular acuidade no caso dos descendentes de imigrantes africanos nascidos e socializados em Portugal, sem projectos de regresso a um país de origem pouco ou nada conhecido". O autor refere, ainda, que da "identidade étnica pode, então, passar-se à politização da etnicidade".
O constitucionalista Vital Moreira teceu fortes críticas à actual Lei da Nacionalidade. Num artigo de opinião publicado na edição de 7 de Janeiro de 2003 do Jornal Público considera que a actual Lei da Nacionalidade tem dois efeitos nocivos. Por um lado, "permite manter artificialmente como portugueses, com os direitos inerentes (incluindo direitos eleitorais), pessoas que não têm a mínima ligação a Portugal só porque os pais (ou eles mesmos, chegando à maioridade) viram alguma razão, sentimental ou interesseira, na manutenção da nacionalidade"; e, por outro, "que se mantenham como estrangeiros pessoas que nasceram no país, que sempre cá viveram, que nunca conheceram outro país, que cá foram escolarizadas, que se sentem tão portuguesas como quaisquer outras e, sobretudo, que não têm nenhuma relação com outro país, incluindo o país (ou países) dos seus progenitores. Vital Moreira defende que "a nacionalidade não deve continuar a ser uma questão de herança de sangue" e que "não pode depender da situação dos seus progenitores, desde logo por uma razão de igualdade". Advoga, por isso, o reconhecimento automático da "nacionalidade portuguesa a todas as pessoas nascidas no país; incluindo os filhos de estrangeiros estabelecidos em Portugal, salvo, portanto, os que tenham nascido ocasionalmente aqui".
O critério do ius sanguinis está assente, antes de mais, na ideia de Nação homogénea do ponto vista cultural e numa concepção étnica de pertença, mais do que numa concepção política de pertença. Trata-se de uma concepção que, partindo de uma lógica de não contaminação da cultura nacional, acaba por fomentar a segregação institucional e, consequentemente, social. Os imigrantes e os seus descendentes (que não são imigrantes, mas são percebidos como tal) são encarados nos países de acolhimento como alguém que não lhes pertence e que têm uma terra de origem à qual podem ou devem voltar. Na mesma lógica, é esperado que o emigrante esteja de passagem no país de acolhimento e que queira ou deva voltar.
A análise comparada dos quadros legislativos sobre o direito de nacionalidade permite a identificação de opções diversificadas. Países com uma forte tradição de imigração, como os Estados Unidos da América ou a França, têm uma legislação baseada na tradição do chamado "direito de solo". Na França o princípio do direito de solo foi introduzido em 1889, tendo, por isso, uma longa tradição. Até 1993 um filho de estrangeiro que tivesse nascido em território francês acedia à cidadania francesa, embora só ao atingir a maioridade, com vista ao exercício da cidadania política. Mesmo as alterações introduzidas pelo governo conservador de então não impediam o acesso à cidadania francesa pelas segundas gerações de imigrantes, apenas impunham um mecanismo de manifestação de vontade. O espírito inicial da lei acabou por ser reposto em 1998, com a mudança de governo.
A cláusula de cidadania da 14.ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos assume que "todas as