O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

0014 | II Série A - Número 061 | 10 de Novembro de 2005

 

Declaração de voto de Maria Fernanda Palma

Votei vencida a decisão constante do presente Acórdão, pela qual o Tribunal Constitucional se pronunciou no sentido de a Resolução da Assembleia da República n.º 52-A/2005, de 29 de Setembro, violar a proibição de iniciativas referendárias constante do n.º 10 do artigo 115.º da Constituição. Em meu entender, o Tribunal deveria ter por verificadas a constitucionalidade e a legalidade do referendo e a sua decisão em sentido contrário fundamentou-se numa interpretação contra legem das normas constitucionais aplicáveis e na desconsideração dos elementos histórico, sistemático e teleológico da interpretação. As razões da minha discordância são, de modo sucinto, as seguintes:

1 - Os artigos 115.º, n.º 10, 167.º, n.º 4, da Constituição determinam que os projectos e as propostas de referendo definitivamente rejeitados não podem ser renovados na mesma sessão legislativa, salvo nova eleição da Assembleia da República. Esta ressalva torna inteiramente claro que uma nova eleição da Assembleia da República não faz cessar a sessão legislativa em que ocorre, dando início a outra. Uma tal "interpretação" é contra legem, não possuindo um mínimo de correspondência na letra da lei e presumindo que o legislador constitucional não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (artigo 9.º, n.os 2 e 3, do Código Civil).
A razão de ser deste regime compreende-se facilmente. O legislador constitucional, para evitar a repetição inútil de uma proposta de referendo rejeitada num passado recente, num quadro em que se afigura inevitável nova rejeição dada a previsível persistência das razões da primitiva rejeição (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., rev., p. 689), estabelece um período temporal mínimo, de cerca de um ano (entre 15 de Setembro e 15 de Junho), para a repetição da proposta. Porém, é admitida a repetição na hipótese de alteração do quadro político, introduzida por uma eleição da Assembleia da República, precisamente porque essa eleição torna imprevisível o desfecho.
De todo o modo, a redacção da norma, que configura como excepção à regra de que só pode haver uma proposta rejeitada por sessão legislativa a apresentação de nova proposta após a eleição da Assembleia da República, só é compatível com a conclusão de que a sessão legislativa se prolonga no início da nova legislatura e com nenhuma outra.
2 - Mesmo no caso de dissolução, a Assembleia da República inicia uma nova legislatura completa (artigo 171.º, n.º 2), que terá até uma duração superior a quatro anos, podendo atingir quase os cinco, visto que será acrescida do tempo necessário para se completar o período correspondente à sessão legislativa em curso à data da eleição. A Constituição prossegue um desígnio de estabilidade, evitando a proliferação de legislaturas incompletas, que era admitida, na hipótese de sucessivas dissoluções, pela versão originária da Constituição de 1976. Na verdade, o n.º 2 do artigo 174.º prescrevia então que "no caso de dissolução, a Assembleia da República então eleita não iniciará uma nova legislatura", limitando-se, por conseguinte, a completar a sessão legislativa interrompida (…)".
O n.º 1 do artigo 171.º determina que a legislatura tem a duração de quatro sessões legislativas. Ora, podendo a legislatura iniciar-se em qualquer altura, após uma eleição, aquilo que é problemático é conciliar esta norma com o n.º 1 do artigo 174.º, que estipula que a sessão legislativa tem a duração de um ano e se inicia a 15 de Setembro. Aparentemente, se uma legislatura não se iniciar a 15 de Setembro, o que só sucederá por mera coincidência, as alternativas parecem ser essa legislatura comportar mais do que quatro sessões legislativas ou incluir uma sessão legislativa que não se inicie a 15 de Setembro, mas antes de tal data.
3 - Na realidade, é o n.º 2 do artigo 171.º que dá resposta a este problema. No caso de dissolução a Assembleia da República então eleita inicia nova legislatura cuja duração será inicialmente acrescida do tempo necessário para se completar o período correspondente à sessão legislativa em curso à data da eleição. Assim, embora já no decurso de uma nova legislatura, o período inicial que se estende até 15 de Junho (termo da sessão legislativa), será imputado à sessão legislativa inacabada, iniciando-se uma nova sessão legislativa, nos termos normais, em 15 de Setembro, para dar cumprimento aos n.os 1 e 2 do artigo 174.º.
Isto vale para o início e para o fim da legislatura ou, dito de outra forma, para o início de duas legislaturas consecutivas. Deste modo, se a legislatura terminar antes de 15 de Junho, a sessão legislativa só será concluída na legislatura subsequente, de novo por força do n.º 2 do artigo 171.º. O que resulta de tudo isto é que cada legislatura comporta quatro sessões legislativas, mas há um prolongamento da última sessão legislativa para a legislatura seguinte, por expressa e iniludível determinação constitucional.
4 - É também esta interpretação que permite respeitar a letra dos artigos 115.º, n.º 10, e 167.º, n.º 4. Com efeito, se uma eleição ocorrer entre 15 de Setembro e 15 de Junho, interrompendo uma sessão legislativa, o legislador constitucional pretende assegurar que durante essa sessão legislativa pode haver duas propostas de referendo (uma antes e outra depois da eleição).
A partir do termo dessa sessão legislativa e do início de uma nova sessão legislativa, sempre em 15 de Setembro de cada ano, por força do n.º 1 do artigo 174.º que não prevê quaisquer excepções, já poderá ser apresentada, nos termos normais, uma nova proposta de referendo. Deste modo, a rejeição de uma proposta de referendo apresentada antes de 15 de Junho, na sequência de uma dissolução da Assembleia da República e do consequente início de nova legislatura, nunca pode impedir a apresentação de uma nova proposta a partir de 15 de Setembro, uma vez que nessa data sempre se inicia uma nova sessão legislativa, por força do n.º 1 do artigo 174.º da Constituição.

Maria Fernanda Palma.