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34 | II Série A - Número: 001 | 16 de Setembro de 2010

PROJECTO DE LEI N.º 408/XI (1.ª) LEI DE BASES DOS CUIDADOS PALIATIVOS

Exposição de motivos

1 — Apesar de todos os progressos da medicina na segunda metade do século XX, nomeadamente na área das doenças agudas, a longevidade crescente e o aumento de prevalência das doenças crónicas conduziram a um aumento significativo do número de doentes que não se curam. Falamos de casos de doença oncológica e não oncológica (doenças neurológicas degenerativas, insuficiências de órgãos avançadas, SIDA, entre outros), num universo estimado para Portugal de dezenas de milhar de doentes.
Essas situações, frequentemente com evolução prolongada, têm um impacto pessoal, social e sanitário muito elevado. Esse impacto negativo é agravado no caso dos muitos doentes em situação de grande solidão e desamparo, regra geral entregues a si próprios. Mas mesmo quando o doente pode contar com o apoio da família, também esta é extremamente sobrecarregada.
Se atendermos a esta premissa, e de acordo com estimativas de peritos da OMS, em Portugal serão mais de 180 000 as pessoas, doentes e seus familiares, aqueles que anualmente carecem de uma resposta especializada, com cuidados de saúde especificamente dirigidos às pessoas que apresentam sofrimento associado às situações de doença grave e/ou incurável, em fase irreversível e avançada.
Esses cuidados de saúde interdisciplinares, denominados «Cuidados paliativos», assumem-se, hoje, como um imperativo ético, organizacional e até um direito humano e como uma área de desenvolvimento técnico fundamental nos sistemas de saúde. São cuidados preventivos de sofrimento e envolvem necessariamente o doente e a sua família no processo de tomada de decisões, num modelo de aliança terapêutica e de avaliação global do sofrimento, em que as diferentes vertentes do mesmo — somáticas, espirituais, psicológicas e sociais — são tidas em linha de conta. Os seus pilares básicos assentam no controlo de todos os sintomas físicos e psicológicos, na comunicação eficaz e terapêutica, na assistência e apoio à família, no trabalho em equipa interdisciplinar, em que todos se centram numa mesma missão e objectivos.
Tal como reconhecem o Programa Nacional de Cuidados Paliativos e as recomendações internacionais sobre esta matéria, é imprescindível que os profissionais de saúde envolvidos nestes cuidados de saúde detenham formação e competências diferenciadas para prestar esta actividade assistencial, à semelhança, aliás, daquilo que se passa com outras áreas da saúde e com o fim primeiro de não prejudicar a qualidade dos cuidados prestados.
O paradigma ainda preponderante da medicina curativa, agressiva, centrada no «ataque à doença» não se coaduna com as necessidades deste tipo de pacientes, necessidades essas que têm sido frequentemente esquecidas, com o consequente abandono deste tipo de doentes e suas famílias por parte do sistema de saúde. Por outro lado, se estes doentes não forem correctamente tratados por equipas devidamente formadas, poderão ser alvo de cuidados desproporcionados e fúteis, que, longe de lhes aliviarem o sofrimento, o agravam, prefigurando, à luz do artigo 58.º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos, má prática clínica e obstinação terapêutica. Acarretam igualmente gastos avultados e desnecessários, com ineficiência indesejável e gerando desperdício no sistema de saúde.
2 — A necessidade crescente de cuidados paliativos é hoje consensual e a resposta do SNS nesta matéria mantém-se até agora deficitária. Apesar da criação, em 2006, da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), através do Decreto-Lei n.º 101/2006, de 6 de Junho, com a inclusão na Rede e a preconização de serviços específicos dirigidos a doentes incuráveis e em fase de doença avançada e irreversível, certo é que os cuidados paliativos representam a área até agora nela menos desenvolvida.
Tratando-se de um grupo de doentes tão vulneráveis, com necessidades específicas e tempos de sobrevida necessariamente mais reduzidos, e não querendo negligenciar o valor intrínseco da pessoa humana e a sua dignidade nessas circunstâncias, é, pois, um imperativo ético e organizativo assegurar o acesso atempado a cuidados paliativos de qualidade — tal como já se vai fazendo, apesar de deficiências de funcionamento conhecidas, com os cuidados preventivos, curativos e de reabilitação — e reconhecê-los como um direito inalienável dos doentes, tal como consagrado no presente projecto de lei.
Apesar de aquele diploma de 2006 reconhecer o direito dos doentes e das suas famílias à prestação dos cuidados paliativos e prever a criação de serviços dessa natureza, a realidade demonstra que continuam a existir limitações claras a essa concretização. Isso decorre de deficiências a vários níveis.
Em primeiro lugar, uma clara escassez de valências face às recomendações internacionais, nomeadamente da OMS. Esta organização define como ratio adequado entre 80 e 100 camas por cada milhão de habitantes. Em Portugal, para uma população de aproximadamente 10 milhões de habitantes, existem apenas cerca de 100 camas destinadas aos cuidados paliativos. No que se refere a equipas de apoio