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7 | II Série A - Número: 027 | 10 de Setembro de 2011

3 – Conselho Superior da Magistratura (Acta n.º 6, de 4 de Fevereiro de 2010): 3.1 — Rui Moreira (Vogal do CSM): «Outra questão que tem sido suscitada quer, ao que parece, na Assembleia da República, quer nos media é a do crime de enriquecimento ilegítimo. Nos vários formatos em que ele tem aparecido, seja como hipótese de proposta seja já como realidade mais ou menos formada, todos os modelos que têm sido sugeridos ofendem, em nossa opinião, princípios básicos do sistema penal. Na verdade, a presunção da inocência do arguido, o direito à não auto-incriminação, a inversão do ónus da prova sobre ilicitude e culpa, tudo isto seria colocado em causa pelos modelos que têm sido sugeridos e, nesses termos, parece-nos difícil actuar aqui devidamente. Por outro lado, também têm havido umas tentativas, ainda no âmbito da criação de um tal tipo de crime, de sugerir aqui um outro bem jurídico, que é o bem jurídico da transparência. Parece-nos, no entanto, que a transparência não é um bem jurídico em si; é um instrumento para a realização de outros bens jurídicos e, por isso, elevar um instrumento à qualidade de bem jurídico, se calhar, também não é a solução indicada, mas pode ser que venha a surgir uma hipótese onde estes problemas não se coloquem.»

3.2 – Juiz Conselheiro Noronha Nascimento (Presidente do CSM): «No que respeita ao enriquecimento ilícito, começaria por dizer que a posição que o Conselho tomou centrou‐ se naquilo que todos nós ouvimos na comunicação social e nos projectos de que se falou. Portanto, não estamos a fazer uma apreciação, digamos, da incriminação, da tipificação deste crime com base em projectos futuros, baseámo‐ nos naquilo que ouvimos dizer. Em relação ao enriquecimento ilícito, parece‐ nos que a questão é muito simplesmente a seguinte: ou há, ou não, coragem — e ninguém quer falar nisto — de fazer a inversão do ónus da prova. Todo o Ocidente tem o princípio de que no crime não há inversão do ónus da prova – a prova é da acusação. Não é como no processo cível, onde há repartições: o autor prova isto, o rçu prova aquilo» Portanto, em termos jurídicos, a questão que se põe em todo o Ocidente ç esta: vai ou não fazer‐ se a inversão do ónus da prova? Porquê? Reparem numa coisa: se o arguido não falar, o que é que vai acontecer? Ele tem direito a não falar. Ele é acusado de ter um património que ninguém sabe de onde é que apareceu e diz «não falo!». Quem é que vai provar? Se houver inversão do ónus da prova, ele tem que provar de onde ç que aquele património veio» Mas não há inversão, nem ninguçm quer prevê‐ la. Porquê? Porque há outro princípio inscrito nas constituições europeias, que é o da presunção de inocência. Portanto, com a presunção de inocência inscrita na Constituição não pode haver inversão do ónus da prova, e este é o grande problema de toda esta discussão. A discussão faz‐ se sobre isto, sobre aquilo, sobre aqueloutro e, até agora, ninguém (penso eu) ou muito pouca gente disse aquilo que verdadeiramente é: o que está em causa é a inversão do ónus da prova. Ora bem, os saxónicos têm um sistema — o Sr. Professor di‐ lo‐ á mais do que eu — onde fazem uma inversão, mas é já num momento posterior. Ou seja, o que acontece em casos de corrupção em países saxónicos — julgo que em Inglaterra, em vários estados dos Estados Unidos, não sei se na Austrália — é o seguinte: o crime de corrupção obedece aos parâmetros clássicos do ónus da prova, a acusação tem de provar. Mas, uma vez provado um crime de corrupção ‐ e isto poderia ser aproveitado cá» ‐ é o arguido condenado que tem de provar que aqueles bens não lhe vieram por acto corruptivo (e isto, em termos de sanção patrimonial efectiva). Portanto, o que fazem é uma inversão de ónus da prova para os efeitos patrimoniais decorrentes do crime de corrupção, que já está provado. Este é o sistema que vigora, mais ou menos, nos países saxónicos. Mas, em relação ao crime de corrupção em si, propriamente dito, ao crime em si, não há inversão nenhuma; há inversão nos efeitos cíveis, nos efeitos patrimoniais, uma vez provado o crime.
(») A posição em relação aos sigilos nada tem a ver com o que disse antes quanto ao enriquecimento. E o grande problema aqui é o da inversão do ónus, a tal ponto que toda a gente, subliminarmente, dá a entender isso, porque ninguém consegue chamar a essa figura enriquecimento criminoso — é enriquecimento ilícito.
Um ilícito pode não ser crime, pode ser um ilícito cível, fiscal, administrativo. E ninguém consegue chamar‐ lhe enriquecimento criminoso, apesar de depois quererem a tipificação. A mim dá‐ me um pouco a ideia (e o que vou dizer resultou da discussão do próprio Conselho) de que isto parece ser uma certa tentativa para replicar no crime um instituto que existe no cível, que é o enriquecimento sem causa, mas que tem estruturas diferentes e finalidades diferentes.»