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II SÉRIE-A — NÚMERO 83

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obrigados a desistir dos estudos por razões financeiras. O governo obrigou a ação social escolar a falhar na

altura em que é mais necessária. Exigem-se, por isso, respostas alternativas.

As propinas são hoje um dos maiores embustes à democracia e ao futuro das novas gerações. Marçal

Grilo, Ministro da Educação do XIII Governo Constitucional, diz hoje sem vergonha aquilo que não disse por

vergonha em 1997: [a introdução de propinas no ensino superior] era claramente inconstitucional. O

responsável máximo pela reintrodução das propinas segundo critérios ainda hoje utilizados admite que foi tudo

um truque de mau-gosto para enganar a Constituição, para enganar a democracia.

Olhemos por isso para o Acórdão n.º 148/94 – processo n.º 530/92, do Tribunal Constitucional (TC),

acórdão que permitiu ao então primeiro-ministro Cavaco Silva introduzir o sistema de propinas que hoje é

norma. Este acórdão é uma leitura da Constituição da República que o Bloco de Esquerda não sanciona mas

que, dada a sua centralidade nesta questão, merece análise atenta, pois revela que mesmo a análise

altamente permissiva dos conceitos de universalidade do ensino, gratuitidade progressiva e igualdade que o

TC adotou foi já largamente violada pelos sucessivos governos e pelo atual em particular.

O TC atribuiu reservas e limites vários ao aumento de propinas em 1993. Nomeadamente atribuiu um limite

ao esforço financeiro da respetiva universidade a que os estudantes poderiam ser submetidos e que não

deveria ultrapassar, no máximo, 25% dos custos correntes e de investimento da respetiva universidade. Aliás,

neste ponto em particular o TC declara que precisamente a possibilidade de as propinas ultrapassarem essa

relação percentual já em 1994/1995 era inconstitucional: (…) poderia ainda dizer-se que a percentagem assim

encontrada representa o limite razoável dentro do qual se poderá falar da lógica constitucional da possível

gratuitidade do ensino superior e não da lógica do pagamento parcial dos custos do ensino superior pelos

respetivos utentes.

Mas, se isto é assim, e para o ano letivo de 1992-1993 não traduz colisão com a norma constitucional em

causa, já há colisão para os anos letivos de 1993-1994, 1994-1995 e seguintes, mas apenas no ponto em que

a percentagem para a determinação do montante das propinas pode ser fixada acima de 25%. É o que

acontece no ano letivo de 1993-1994, em que a variação vai de 20% a 40%, e nos anos letivos de 1994-1995

e seguintes, em que a variação vai de 25% a 50%. Em tal segmento, e concluindo, a norma do artigo 6.º, n.º 2,

conjugado com o artigo 16.º, n.º 2, da Lei das Propinas, viola a norma do artigo 74.º, n.º 3, alínea e), da CRP.

Ou seja, o entendimento do TC não só não permite tornar os estudantes a fonte de financiamento principal

do ensino superior como não permite que as propinas representem mais do que 25% dos seus custos e

investimento.

Pode-se considerar que, até 2011, ano em que o Estado investiu €1093 milhões no ensino superior e

politécnico e recebeu 252 milhões em propinas, se tenha respeitado esta matriz constitucional com um rácio

de 23%. No entanto, em 2012, esse limite é ultrapassado por completo, sendo os estudantes responsáveis por

37% dos €859 milhões transferidos pelo Estado para as universidades e politécnicos, num total de €317

milhões de propinas pagas por estudantes. Não fosse a ironia uma constante, existem universidades que

financiam já 50% do seu orçamento através de propinas, nomeadamente a Faculdade de Direito da

Universidade de Lisboa.

De todos os erros e inconstitucionalidades que a imposição de propinas no ensino superior acarretou,

talvez o mais incompreensível e irracional seja a indexação do seu aumento à taxa de inflação, pois, em

tempos de crise a relação entre o rendimento disponível das famílias e os seus encargos torna-se impossível

de gerir.

Segundo o estudo Quanto custa estudar no Ensino Superior Português? orientado pela Professora Luísa

Cerdeira, no ano letivo 2010/2011, o rendimento mediano por agregado familiar em Portugal situa-se nos

€8.823. Paralelamente, os custos diretos (propinas) e indiretos (habitação, comida e transporte, etc.) de cada

estudante no ensino superior situava-se nos €1934,83 e €4,689,62 respetivamente. Ou seja, as famílias

usaram 22% do seu rendimento para pagar os custos diretos de educação universitária mais 53% para os

custos de vida, isto é, 75% do rendimento mediano das famílias portuguesas é absorvido pelos custos com

ensino superior.

E o quadro não melhora tomando em consideração os apoios sociais concedidos pelos serviços de ação

social que, em conjunto com as deduções fiscais no IRS, reduzem apenas para 63,6% o esforço financeiro das

famílias, longe dos 26,4% na Alemanha, dos 35,2% em França, dos 19,2% na Suécia ou os 38,5% na Letónia.