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II SÉRIE-A — NÚMERO 72 52

país, essas sim, aumentaram, especialmente nos anos mais recentes: Portugal passou a registar o 5.º lugar

mais elevado para o coeficiente de Gini numa Europa a 28 mas “o rendimento por adulto equivalente dos 10%

mais ricos era 10,6 vezes superior ao auferido pelos 10% mais pobres”2.

É, pois, num país profundamente desigual, em que o fosso entre os mais ricos e os mais pobres se agravou

ainda mais entre 2012-2015, que a notícia dos aumentos das remunerações do Conselho de Administração da

ANAC é, de todo, inaceitável.

Os salários milionários dos gestores públicos de topo são um insulto à democracia. O caso das entidades

reguladoras será, porventura, o exemplo mais próximo desta realidade.

Quem faz esta associação é, aliás, a própria ANAC, quando procura justificar-se, em resposta à notícia dos

aumentos de +150% nos salários dos seus administradores, com o facto de que “a fixação de vencimentos do

Conselho de Administração da ANAC decorre da sua natureza jurídica, conforme Lei-Quadro das Entidades

Reguladoras, que passaram este organismo de Instituto (INAC) para uma entidade reguladora independente

(ANAC) em 1 de abril de 2015”.

Esta transmutação de INAC em ANAC permitiu ao presidente do Conselho de Administração da ANAC passar

de um vencimento bruto de 6030€ para 16 651€/mês (+276,1%). Os restantes 2 membros da administração da

ANAC tiveram aumentos semelhantes, embora numa escala ligeiramente inferior (+273% e +259%,

respetivamente). Se estes salários forem compaginados com o valor dos salários médios dos trabalhadores por

conta de outrem, contratados em 2014, e cujo valor não ultrapassou os 600€/mês, e com o congelamento de

salários que se regista no Estado há 6 anos, percebe-se a real dimensão do caráter verdadeiramente insultuoso

dos salários destes gestores, pagos com dinheiros públicos.

Refira-se que estes aumentos ocorreram em outubro de 2015, período em que estava ainda em funções o

anterior Governo do PSD/CDS, alegadamente apenas em modo de gestão. Mas foi este mesmo Governo que,

durante quatro anos e meio, conduziu uma política sistemática de cortes nos rendimentos e salários e, em

especial, dos funcionários públicos, sob o argumento de que, a prioridade, era “reduzir a despesa pública” em

níveis compatíveis com o respeito “sagrado” do défice do Estado.

Sendo indiscutível que as designadas “entidades reguladoras independentes” fazem parte do Estado,

pareceu, no entanto, que esta parcela pública ficou ao abrigo do cumprimento de um desígnio tão relevante

como o défice público abaixo dos 3%, tanto mais que, esta proposta, chegou a ser defendida pelo PSD e CDS

para inclusão na própria Constituição.

Alegou ainda o conselho de administração da ANAC que as suas remunerações foram fixadas por uma

comissão de vencimentos “independente”, e que, por essa razão, não havia como responsabilizar o CA por tais

remunerações. A verdade é que, no decurso do processo de audições que a Comissão Parlamentar de

Economia, Inovação e Obras Públicas promoveu, foi possível perceber que a alegada “independência” das

comissões de vencimentos (CV) não passa de um subterfúgio para justificar salários milionários de gestores

públicos, através de uma lei que, no seu texto, fornece as escapatórias legais que permitem a adulteração e a

violação do espírito e da letra da própria lei-quadro das entidades reguladoras.

De facto, de acordo com a Deliberação n.º 1/2015 da Comissão de Vencimentos (CA), embora o normativo

legislativo invocado tenha sido o estabelecido nos supostos critérios do n.º 3 do artigo 26.º da Lei-Quadro das

ERI, onde se faz referência expressa ao “vencimento mensal do primeiro-ministro”, a verdade é que a CA

entendeu que esse critério deveria ser entendido não como limite superior, mas sim como limite inferior. O valor

a apurar, acima desse montante, deveria ser determinado com base nos restantes critérios afixados na lei, entre

os quais se contam: “C1. A dimensão, a complexidade, a exigência e a responsabilidade inerentes às funções;

C2. O impacto no mercado regulado do regime de taxas, tarifas ou contribuições que a entidade reguladora

estabelece ou aufere; C3. As práticas habituais de mercado no setor; C4. A conjuntura económica, a

necessidade de ajustamento e de contenção remuneratória em que o país se encontre; C5. Outros critérios que

entenda adequados atendendo às especificidades do setor de atividade reguladora”3.

Definido um escalonamento de remuneração entre presidente, vice-presidente e vogal do conselho de

administração da ERI, em que o vice-presidente e vogal recebem, respetivamente, 90% e 80% do vencimento

do presidente, a CV dedicou-se a produzir uma extensa argumentação que pudesse acomodar o

2 http://spp.revues.org/1792 Carmo, R.M. e Cantante, F., “Desigualdades, redistribuição e o impacto do desemprego: tendências recentes e efeitos da crise económico-financeira” in Sociologia, Problemas e Práticas, Jan2015 3 Deliberação n.º 1/2015 da ANAC, pg.1.