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II SÉRIE-A — NÚMERO 83

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feito como se de trabalho normal (e não trabalho suplementar) se tratasse. Ou seja, este foi objetivamente um

mecanismo de embaratecimento do trabalho. Se desde 2009 existe o banco de horas, a lei previa, contudo, que

este só podia ser introduzido por instrumento de regulamentação coletiva e relativamente a matérias específicas.

No entanto, a Lei n.º 23/2012 de 25 de junho introduziu uma nova modalidade de banco de horas: o banco de

horas individual, prevista no artigo 208.º-A do Código do Trabalho.

Tendo origem num projeto do Governo do PSD e do CDS-PP, a Lei n.º 23/2012, de 25 de junho, que surgiu

na sequência do Memorando sobre as Condicionalidades de Política Económica, tinha uma pretensão clara de

diminuir o custo do trabalho, por via da eliminação de feriados, eliminação do descanso compensatório pela

prestação trabalho suplementar, eliminação de dias de férias, redução das compensações pela cessação do

contrato de trabalho e introdução de uma nova modalidade do despedimento por inadaptação sem modificação

do posto de trabalho. Uma das matérias em relação à qual esta lei assumiu especial enfoque foi a da

desregulação do tempo de trabalho.

Com a referida lei, acrescentou-se à modalidade de banco de horas previsto por instrumento de

regulamentação coletiva, o banco de horas individual e grupal. Ou seja, o regime do banco de horas passou a

poder ser instituído por um acordo entre empregador e trabalhador (banco de horas individual), sendo que é

possível estender a figura da adaptabilidade individual ou do banco de horas individual a trabalhadores que

expressamente a recusaram, por via da adaptabilidade grupal e do banco de horas grupal.

A doutrina do Direito do Trabalho tem vindo inclusivamente suscitar o problema constitucionalidade do banco

de horas grupal, previsto no artigo 208.º-B do Código do Trabalho em virtude de o mesmo permitir o

estabelecimento, por decisão unilateral do empregador, de um banco de horas forçado.

O banco de horas em apreço pode ser imposto contra a vontade manifestada pelos trabalhadores que não o

aceitaram, sendo que a extensão do banco de horas, previsto em convenção coletiva de trabalho, por decisão

unilateral da entidade patronal, a trabalhadores não sindicalizados ou filiados em sindicato que não tenha

outorgado a convenção pode atentar contra princípio da liberdade sindical, consagrado na alínea b), do n.º 2 do

artigo 55.º da Constituição da República Portuguesa.

Numa relação marcada pela desigualdade entre as partes, como é a relação laboral, o Direito do Trabalho

deve ter como objetivo tutelar e proteger a parte mais fraca num quadro de desequilíbrio de poder. A invocação,

neste contexto, da liberdade das partes, é apenas uma forma de mascarar mecanismos de imposição unilateral.

Assim, a figura do banco de horas grupal é uma figura perversa que põe em causa direitos individuais e coletivos,

pelo que não deve ter acolhimento no nosso ordenamento jurídico.

No programa do XXI Governo é identificada a necessidade de “Revogar a possibilidade, introduzida no

Código do Trabalho de 2012, de existência de um banco de horas individual por mero «acordo» entre o

empregador e o trabalhador, remetendo o banco de horas para a esfera da negociação coletiva ou para acordos

de grupo, onde deve estar a regulação da organização do tempo de trabalho”. Acrescenta ainda o Programa do

Governo que com a revogação desta alteração à legislação laboral feita pela Direita se visa “reequilibrar a

legislação laboral, bem como eliminar a confusão deliberadamente introduzida na regulamentação da

flexibilidade na organização do tempo de trabalho, que permitiu a pulverização e individualização de diferentes

horários de trabalho nas mesmas empresas”. Ora, pela sua natureza, a mesma censura é inteiramente aplicável

ao mecanismo da adaptabilidade individual contemplado no artigo 205.º do Código do Trabalho. Com efeito,

segundo com o Livro Verde sobre as Relações Laborais em 2014, este último mecanismo abrangia 305 mil

trabalhadores, a que se somavam 18 mil abrangidos pelo mecanismo do banco de horas individual.

Por essa razão é necessário expurgar do Código do Trabalho a possibilidade de estender a figura da

adaptabilidade individual ou do banco de horas individual a trabalhadores que expressamente a recusaram, por

via da adaptabilidade grupal e do banco de horas grupal.

A cumulação de instrumentos de flexibilização do tempo de trabalho na legislação laboral, instrumentos em

relação aos quais tão pouco são clarificadas as formas de compatibilização entre si, tem-se revelado um

mecanismo de precarização das relações laborais, de degradação da organização do trabalho e de

desvalorização económica e pessoal do trabalhador e da trabalhadora. Assim, revogar a figura do banco de

horas grupal e da adaptabilidade grupal, enquanto mecanismo de imposição forçada, é um passo essencial para

restituir o direito do trabalho à esfera coletiva, protegendo-se a parte mais fraca nas relações laborais,

promovendo-se a valorização do trabalho e a sua articulação com as outras esferas da vida.